sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Por Todas as Mulheres – Almira Rodrigues

Vejam http://vimeo.com/15358185 um video com a participação de nossa companheira Almira Rodrigues.



BRASIL (2010) - [VERSÃO COMPLETA] O Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA) produziu este vídeo para mobilizar as mulheres brasileiras à defesa dos direitos de todas as mulheres em escolher se devem ou não levar adiante uma gravidez indesejada. Essa campanha tem por objetivo defender a autonomia das mulheres e evitar as centenas de mortes provocadas por abortos inseguros no país.

Setores ultra-conservadores, a direita e fundamentalistas cristãos (igreja católica e outras) estão intervindo no Congresso Nacional para criar leis que obriguem as mulheres a concluirem qualquer tipo de gravidez, motivada por estupro, que possa provocar a morte da mulher, de anencéfalo etc. Para tanto chegam a propor até o pagamento em dinheiro para a mulher vítima de estupro que leve ao fim a gravidez. Essa proposta absurda tem sio chamada pelos movimentos feministas de BOLSA ESTUPRO.

Os debates no Congresso Nacional, monopolizados, por esses grupos extremistas, mostram o quão violento e dominador é o machismo e o fundamentalismo religioso.

É importante mobilizar as mulheres. Mobilizadas e conscientes de seus direitos, podem produzir mudanças políticas e legais no país.

Mais informações podem ser obtidas no site criado pelo Cfemea para essa campanha: portodasnos.blogspot.com

Este vídeo foi produzido em agosto de 2010 pela ILLUMINATTI - illuminatifilmes.com

com o patrocínio da
HEINRICH BÖLL STIFTUNG

e com o apoio de
- Safe Abortion Action Fund
- Ford Foundation
- WHC

Agradecimentos ao
- Fórum de Mulheres Negras do Distrito Federal
- Associação Lésbica de Brasília (Coturno de Vênus)
- Fórum de Mulheres do Distrito Federal

CFEMEA - 2010 - Brasil - cfemea.org.br

Cartilha Direitos da Mulher – Prevenção à violência e ao HIV/Aids

Algumas agências internacionais (Opas, Acnur, Unaids, INFPA e Unifem) lançaram a cartilha DIREITOS DA MULHER: Prevenção à violência e ao HIV/Aids, com a seguinte apresentação:
"Este guia informa as mulheres sobre as diversas situações de violência de que podem ser vítimas e como se prevenir e buscar ajuda. Também explica os direitos sexuais e reprodutivos e as formas de prevenção ao HIV/AIDS e a outras doenças sexualmente transmissíveis.

A violência contra a mulher atinge mulheres dentro e fora da família
e não é praticada somente por meio de agressão física, como tapas, socos, pontapés, chutes etc. Existe também a violência psicológica, moral, patrimonial e sexual.

A violência sexual pode ocasionar gravidez indesejada e abortos espontâneos, aumentando o risco de infecção por doenças sexualmente transmissíveis e pelo HIV.

É importante saber que a violência pode ocorrer no espaço público e no espaço doméstico. Este guia tem por objetivo servir de auxílio para todas as mulheres vítimas de violência e para todas as pessoas que queiram atuar no enfrentamento à violência contra a mulher."

http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/Publicacoes/2011/Direitos_da_mulher_-_Prevencao_a_violencia_e_ao_HIV-AIDS.pdf

Trata-se de um excelente material de trabalho seja com mulheres que estão próximas a nós casualmente, seja para organizarmos reuniões na comunidade, seja para nossas reuniões partidárias.

Bom trabalho!

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Mulher, democracia e desenvolvimento*

Que a eleição de Dilma, nossa primeira presidente, e a composição de seu ministério tragam o empoderamento das mulheres brasileiras

"Pela decisão soberana do povo, hoje será a primeira vez que a faixa presidencial cingirá no ombro de uma mulher. (...) A valorização da mulher melhora a nossa sociedade e valoriza nossa democracia."

Assim a presidente Dilma inaugurou o seu discurso de posse, enfatizando que sua luta mais obstinada será pela erradicação da pobreza. A presidente brasileira soma-se às 11 mulheres chefes de governo, considerando 192 países.

O Brasil situa-se no 81º lugar no ranking de desigualdade entre homens e mulheres de 134 países, tendo como indicadores o acesso à educação e à saúde e a participação econômica e política das mulheres (relatório Global Gender Gap).

O estudo conclui que nenhum país do mundo trata de forma absolutamente igualitária homens e mulheres. Os países nórdicos revelam a menor desigualdade de gênero -despontando Noruega, Suécia e Finlândia nos primeiros lugares do ranking-, enquanto os países árabes têm os piores indicadores.

Se comparada com outros países latino-americanos, como a Argentina (24º lugar) e o Peru (44º lugar), preocupante mostra-se a performance brasileira, explicada, sobretudo, pela reduzida participação política de mulheres.

Ainda que no acesso à educação e à saúde o Brasil ostente um dos melhores indicadores de nossa região, quanto à participação política atingimos a constrangedora 114ª posição, muito distante das posições argentina (14ª), chilena (26ª) ou mesmo peruana (33ª).

Ao longo da história, atribuiu-se às mulheres a esfera privada -os cuidados com o marido, com os filhos e com os afazeres domésticos -, enquanto aos homens foi confiada a esfera pública.

Nas últimas três décadas, no entanto, houve a crescente democratização do domínio público, com a significativa participação de mulheres, ainda remanescendo o desafio de democratizar o domínio privado -o que não só permitiria o maior envolvimento de homens na vivência familiar, com um grande ganho aos filhos(as), mas também possibilitaria a maior participação política de mulheres.

No mercado de trabalho, para as mesmas profissões e níveis educacionais, as mulheres brasileiras ganham cerca de 30% a menos do que os homens. Para José Pastore, "além das diferenças de renda, as mulheres enfrentam uma situação desfavorável na divisão das tarefas domésticas. Os maridos brasileiros dedicam, em média, apenas 0,7 hora de seu dia ao trabalho do lar. As mulheres que trabalham fora põem quatro horas diárias".

Se hoje há no mundo 1 bilhão de analfabetos adultos, dois terços são mulheres.

Consequentemente, 70% das pessoas que vivem na pobreza também o são -daí a feminização da pobreza. Garantir o empoderamento de mulheres é condição essencial para avançar no desenvolvimento. Os países que apresentam a menor desigualdade de gênero são justamente os mesmos que ostentam o maior índice de desenvolvimento humano.

Que a eleição de nossa primeira presidente e a composição de seu ministério (com um terço integrado por mulheres) tenham força catalizadora de impulsionar o empoderamento das mulheres brasileiras.

Afinal, como lembra Amartya Sen, "nada atualmente é tão importante ao desenvolvimento quanto o reconhecimento adequado da participação e da liderança política, econômica e social das mulheres.

Esse é um aspecto crucial do desenvolvimento como liberdade".

*Flavia Piovesan, professora doutora da PUC/SP, é membro da Força-Tarefa da ONU para a Implementação do Direito ao Desenvolvimento.
*Silvia Pimentel, professora doutora da PUC/SP, é presidente do Comitê da ONU sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher.
Fonte: Folha de S.Paulo, 9/1/2011

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

As mulheres do PCB/PPS – Dina Lida Kinoshita*

Antes de falar a respeito do tema propriamente dito, quero afirmar que as mulheres vêm lutando por paz, liberdade e justiça desde sempre em todo o mundo. Eu, como filha de um bolchevique dos anos vinte, quando ainda se levava a sério a obra de Marx “A religião é o ópio do povo”, não tive educação religiosa de espécie alguma e jamais li as Escrituras Sagradas. Mas nas muitas conversas que tive com o nosso querido Capitão, Salomão Malina, este contava que em uma de suas prisões, só tinha permissão para ler a Bíblia. E segundo ele, já na Antigüidade apareciam figuras de mulheres fortes, defensoras de causas nobres.

As mulheres brasileiras também vêm lutando e se organizando ao longo dos séculos na resistência ao sistema escravagista colonial, contra a Inquisição, na luta pela independência, nos movimentos populares que enfrentam o poder ao longo do II Império, bem como as sufragistas já no século XX.

Para nos atermos a tempos menos remotos, ao ler o Germinal de Zola ou os livros “Nós, o Povo” ou a “História da Riqueza do Homem” de Leo Huberman, ou as obras de Karl Marx, nos damos conta que as mulheres proletárias trabalhavam em condições de alta periculosidade e insalubridade, cumprindo jornadas extenuantes desde os primórdios do capitalismo. Não deixa de ser emblemático que o episódio que deu origem ao 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, é de 1857 enquanto o relativo ao 1º de Maio, envolvendo homens, é de 1886. De toda maneira, o ascenso das lutas sociais dos trabalhadores e trabalhadoras ao longo dos séculos XIX e XX dá ensejo a uma série de conquistas políticas e sociais, muitas delas consolidadas como direitos humano na Carta das Nações Unidas de 1948 e em documentos posteriores.

Os movimentos socialista e comunista internacionais sempre tiveram a luta pelos direitos das mulheres como uma questão central. E já em 1910, durante o II Congresso da Mulher Socialista, por iniciativa da revolucionária alemã, Clara Zetkin, o dia 8 de Março foi consagrado como o Dia Internacional da Mulher. A Revolução Bolchevique de 1917 produziu figuras como Alexandra Kolontai que discutia no começo do século XX teses como “A nova mulher e a moral sexual”. Com o advento do stalinismo esta renovação foi congelada embora muitas conquistas sociais tenham permanecido. Não podemos deixar de mencionar a teórica marxista polonesa e militante da social-democracia alemã, Rosa Luxemburg que polemizava com Lênin, sobretudo sobre a questão da democracia socialista e a grande dirigente comunista espanhola Dolores Ibarruri, uma mulher do povo e figura popular no período da Guerra Civil Espanhola.

Mas como afirma Eric Hobsbawm , “os direitos não são abstratos, universais e imutáveis. Eles existem nas mentes de homens e mulheres como partes de conjuntos especiais de convicções sobre a natureza da sociedade humana e sobre a ordenação das relações entre os seres humanos dentro dela: um modelo de ordem social e política, um modelo de moralidade e justiça.”

Durante o século XX assiste-se a grandes mudanças quanto às mulheres. A mobilização dos homens para as duas grandes guerras mundiais incorpora cada vez mais mulheres ao mundo do trabalho. Mas é a partir dos anos 60, com o advento da pílula anticoncepcional que as famílias passam a ter maiores possibilidades de planejamento familiar, permitindo a incorporação de um maior contingente feminino ao mundo do trabalho e da cultura num momento de crescimento da economia capitalista. As mulheres que já haviam conquistado em quase todo o mundo o direito ao voto, passam a reivindicar direitos de igualdade no seio da família, no plano econômico e político. A década de 70 constitui um marco para o movimento de mulheres. Em 1975 comemora-se em todo o Planeta o Ano Internacional da Mulher e realiza-se a I Conferência Mundial da Mulher, promovida pela Organização das Nações Unidas – ONU, instituindo-se a Década da Mulher. Este movimento vai num crescendo e na década de 90 temos várias Conferências Mundiais da ONU tais como a dos Direitos Humanos (Viena –1993), População e Desenvolvimento (Cairo – 1994), Mulheres, Igualdade, Desenvolvimento e Paz (Beijing – 1995 e a Convenção Pan-americana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (Belém do Pará – 1994), da Organização dos Estados Americanos – OEA. O avanço tem sido maior no plano social do que no político. De toda maneira, sem entrar no mérito da posição política, hoje mulheres presidem os Partidos Comunistas da França, do Uruguai e do Chile, o Partido do Socialismo Democrático da Alemanha. As mulheres constituem quase metade dos cargos de direção dos Democratici di Sinistra na Itália. O Partido de la Revolución Democrática do México acaba de ter duas gestões seguidas presididas por mulheres. O caso mexicano é interessante uma vez que a legislação eleitoral do país, onde grande parte dos cargos parlamentares são preenchidos por lista fechada e não há possibilidade de reeleição em mandato consecutivo, permite forjar muitas lideranças e de acordo com o estatuto do PRD as listas são preenchidas numa seqüência de dois homens, uma mulher o que garante cerca de 30% dos mandatos para as mulheres. É uma maneira muito mais efetiva de eleger mulheres que as nossas cotas.

É claro que o Brasil participa de alguma maneira de toda esta trajetória internacional. Gostaria, porém, de fazer uma outra reflexão. Por mais avançado que um partido possa ser, ele sempre será um reflexo da sociedade que busca representar. Ora, no caso brasileiro, com uma tradição patriarcal, autoritária e machista muito arraigada, o PCB avança com dificuldade desde os seus primórdios. Se a clandestinidade, as prisões e a tortura ainda deixam muitas lacunas na história do nosso Partido, a das mulheres comunistas é mais desconhecida de todos. Esta história ainda terá que ser retirada das catacumbas. Creio que as mulheres de cada estado brasileiro deveriam assumir como tarefa a busca de raízes e tentar descobrir como e onde atuaram as mulheres do Partido. Provavelmente cometerei injustiças por omitir nomes. Mas mencionarei o que considero como o "estado da arte” da pesquisa neste momento. Para tanto contei com a contribuição de Francisco Inácio Almeida, João Aveline, José Cláudio Barriguelli, Marcos Del Roio e Paulo R. Cunha, entre outros.

São poucas as mulheres que militaram no Partido na primeira década de sua existência. Isto pode ser atestado por uma carta enviada pela IC, reclamando da pequena participação feminina. Apesar de tudo, para surpresa de todas nós, tendo acesso recente a um arquivo referente a brasileiros e brasileiras que tiveram atuação junto à Internacional Comunista, lá consta o ingresso da paraense Erecinha Borges de Souza no PCB em 1927; foi membro do CC e do seu Bureau Político entre janeiro de 1931 e agosto de 1932. Acabou indo a Moscou, onde assumiu tarefas no Secretariado da América do Sul e Central. Casou-se com um companheiro do PC dos EUA e fixou residência em Nova York onde trabalhou nas organizações da “American League for Peace and Democracy, Special Committe for Friends of Brazil”. A poetisa Laura Brandão, também teve uma atuação destacada, sobretudo em prol dos direitos das mulheres.

A partir dos anos trinta, com a ascensão do fascismo no mundo, as mulheres se mobilizam para trabalhar no Socorro Vermelho Internacional, contra a ditadura Vargas e pela paz mundial. Sara (Becker) de Mello, as irmãs Inês (Itkis) Besouchet e Felícia (Itkis) Schechter e Raquel Gertel já vem atuando desde 1930. Esta última é personagem dos Subterrâneos da Liberdade de Jorge Amado. Ao longo da década, ingressaram no PCB figuras como Eugênia Moreira, primeira repórter mulher do país e fundadora da União Feminina do Brasil; Patrícia Galvão, jornalista, poetisa e ativista política; a conceituada psiquiatra alagoana Nise da Silveira; a escritora paraense Eneida de Morais; a escritora cearense Raquel de Queiroz e a advogada carioca Maria Werneck. A juventude e o mundo da cultura estão presentes no Partido desde o início.

No final de 1934 o PCB tomou a iniciativa de desenvolver negociações para a criação da Aliança Nacional Libertadora, Frente Popular contra o integralismo e a legislação discricionária. Esta é fundada em março de 1935. No bojo da ANL organizou-se a União Feminina Brasileira que lutava pela igualdade social e de direitos entre os sexos. As principais dirigentes desta entidade foram as já mencionadas Maria Werneck e Nise da Silveira, bem como Catharina Landeberg, Priscila Motta Lima e Amanda Alberto Abreu.

Cabe uma menção às mulheres imigrantes, que já vinham militando em partidos europeus e aqui deram continuidade a suas atividades num novo ambiente como Liuba Goifman, Rifka Gutnik e Tuba Schor. Liuba e seu esposo foram presos em 1936 e só não foram deportados porque tinham um filho nascido no Brasil. O esposo de Rifka, Waldemar Gutnik foi deportado, mas este fato não foi motivo para esmorecer; a luta continua. A jovem Geny Gleiser também foi deportada devido às atividades políticas que exercia no PCB.

Olga Benário, companheira de Prestes, e Lisa Berger não vieram como imigrantes mas a serviço da III IC – Internacional Comunista. Ambas foram entregues às garras nazistas; Olga foi executada numa câmara de gás e Lisa morreu tuberculosa devido aos maus tratos, no Campo de Concentração de Ravensbruck.

Algumas companheiras como a professora goiana Glória Pilomia participam da reorganização partidária pós liquidação do PCB no início dos anos 40. Mas é no pós II Guerra Mundial que as mulheres mostram a cara. É um momento de grande efervescência partidária e nos movimentos populares. Inicialmente na luta pela Anistia Política no Brasil, e posteriormente, no Movimento pela Paz contra a Guerra na Coréia e contra as bombas nucleares. Destacam-se nestas tarefas Jovina Pessoa, Antonieta Campos da Paz, Elisa Branco e Branca Fialho. Escreve Aveline: “A coragem da mulher brasileira se fez presente na manhã do dia 7 de setembro de 1951, quando Elisa Branco na frente das tropas que desfilavam em comemoração à data da Independência, desfraldou uma faixa onde se lia: “Os soldados, nossos filhos, não irão para a Coréia”. Era o sinal de que estava sendo desencadeada naquele momento a campanha nacional comandada pelo PCB, que visava impedir o envio de tropas para a Coréia, uma exigência dos Estados Unidos, para dividir com o Brasil e outras nações do Continente, a responsabilidade pela agressão ao povo coreano.” A campanha foi vitoriosa embora Elisa enfrentasse dois longos anos de prisão e Zélia Magalhães, no vigor dos seus vinte e poucos anos, tenha tombado no Rio de Janeiro, durante jornada do Movimento dos Partidários da Paz, pela ação criminosa dos policiais de Felinto Müller.

Com a democratização do país e a legalidade do PCB, várias mulheres foram eleitas deputadas e vereadoras. Zuleika Alambert, eleita deputada estadual por São Paulo com pouco mais de vinte anos, representou na Assembléia Legislativa os interesses da juventude. Anos depois, foi durante alguns anos dirigente destacada do Comitê Central do PCB. Adalgisa Cavalcanti foi eleita Deputada Estadual em Pernambuco. Julieta Batistioli, uma simples operária da indústria têxtil, foi a primeira vereadora da capital gaúcha, em 1946; deixou perplexos os demais representantes daquela legislatura pela clareza com que abordava os problemas, muitas vezes desconhecidos pelos demais. Elisa Kaufman Abramovich, pedagoga, foi a vereadora mais votada para a Câmara Municipal de São Paulo e líder da bancada. Com o advento da Guerra Fria e a cassação do registro do PCB e dos mandatos dos parlamentares, Elisa colaborou com o aparato clandestino na medida em que matriculava na escola que dirigia, os filhos de membros do CC na mais estrita clandestinidade tais como Salomão Malina, Jacob Gorender, Moisés Vinhas e Marco Antonio Tavares Coelho.

As mulheres também dirigem revistas e escrevem para os jornais partidários; entre elas, a poetisa Ana Montenegro, Arcelina Mochel, redatora do jornal Momento Feminino e Eunídia Mathias da Tribuna Gaúcha. Antonieta Campos da Paz edita a página feminina do jornal Imprensa Popular, no Rio de Janeiro.

Data desta época a fundação da Federação das Mulheres do Brasil. Destacam-se nesta frente Ana Montenegro, uma das responsáveis pela criação da Federação em 1949 e Alice Tibiriçá, primeira presidente da mesma. No exílio, pós 64, Ana Montenegro representará o Brasil na Federação Democrática Internacional de Mulheres – FEDIM. Destacam-se ainda nos movimentos populares contra a carestia, pela paz, pela escola pública e pela reforma agrária e nas lutas operárias que culminam nas grandes greves dos anos 50, na indústria têxtil e da alimentação, Maria Salas, Adoración Vilar, Eunice Longo, Beatriz Nieto, Olinda Jardim, Lucrécia Correa, Angelina Jeronimo, Maria Bevilácqua e Erundina Arruda em São Paulo; a dirigente municipal de Uberlândia e mais tarde presidente da organização de mulheres Olívia Calábria, que dá continuidade a projetos da Paz e na defesa dos minérios nacionais, também participa dos movimentos sociais no Triângulo Mineiro; as irmãs Irma e Noêmia Gouveia; Julia Santiago, líder sindical têxtil de Pernambuco.

Mas a mulher também luta nas difíceis condições do campo. São exemplos desta luta Aparecida Azedo, sobrevivente da chacina de Tupã; Dirce Machado, grande líder dos posseiros no conflito de Trombas e Formoso; Margarida Maria Alves, Presidente do Sindicato Rural de Alagoa Grande e Josefa Paulina da Silva, líder camponesa e comunitária no Estado do Rio de Janeiro e ex candidata a deputada federal pelo PCB. Outra luta difícil se dá contra o racismo: Maria Brandão dos Reis, negra mineira, é ativista social e política nesta área.

Além das mulheres do mundo da cultura que se agregam ao Partido nos anos trinta, no período posterior a 45, surgem personalidades como a médica maranhense Maria Aragão, figura popular, agitadora política e figura marcante dos comunistas na cidade de São Luís; a cientista e intelectual pernambucana, Naíde Teodósio; a escritora Edith Hervê e a musicista Esther Scliar, gaúchas; a cantora popular Nora Ney.

Apesar das dificuldades de grande monta surgidas com o golpe de 64, o PCB acompanha a verdadeira revolução empreendida pelas mulheres em nível mundial. Há um novo entendimento da questão feminina – não basta inserir-se nas lutas gerais do povo, ao contrário, as feministas apontam as especificidades neste campo. Ainda antes da Anistia, a Dra. Albertina Duarte cria o Centro da Mulher Brasileira com o apoio de Maria do Carmo Alves de Lima no Ano Internacional da Mulher. Mas é em 1979 que surge um dos mais importantes documentos do PCB sobre a condição feminina com a contribuição decisiva de Zuleika Alambert.

São muitas as mulheres com grande atividade no PCB e posteriormente no PPS a partir dos anos 80. Artistas como Lícia Caniné, a Ruça, (ex-vereadora no Rio de Janeiro), Beth Mendes (ex-deputada federal constituinte); a pintora e escritora Sara Goldman Belz; a cantora Ana de Holanda; a escritora Dulce Pandolfi; médicas como Lúcia Souto (ex-deputada estadual do Rio de Janeiro), professoras, sociólogas como Almira Rodrigues, dirigente da ONG feminista CFêmea em Brasília; a jornalista Cíntya Peter, transmitiu diretamente de Moscou os momentos dramáticos da Perestroika; Abigail Pascoa, feminista e ativista da comunidade negra; vereadoras, deputadas, a senadora Patrícia Sabóia Gomes, prefeitas e vices como Linda Monteiro, em Goiânia, as mulheres estão em toda parte. Seu número aumentou de maneira expressiva e seria temeroso enumerá-las todas.

Mas todo este movimento não se constitui apenas de heroísmo e abnegação. Há conflitos e equívocos ao longo do tempo. Em cada cisão, perdia-se quadros: Elza Monerat e Lila Ripol para o PCdoB; Clara Charf, companheira de Marighella para a ALN (hoje no PT); Isis de Oliveira e Maria Aurora Furtado, a Lola, jovens barbaramente torturadas e assassinadas, optaram pela luta armada; Elisa Branco e Jovina Pessoa na cisão de Prestes; Zuleika Alambert faz parte do grupo derrotado no VII Congresso junto com Armênio Guedes e Davi Capistrano Filho, entre outros; Ana Montenegro na grande mudança empreendida no IX e X Congressos.

Contudo não existe vácuo na política. Surgem novas lideranças, com capacidade melhor de analisar o passado e o presente, dispostas a lutar por um mundo melhor nas novas condições vigentes. Prestemos nossa homenagem às mulheres do passado e às novas militantes dispostas a lutar no presente. Ainda somos poucas, mas vamos à luta porque os desafios são enormes dentro do PPS e na sociedade mais geral. Com o apoio dos companheiros, esperamos crescer e nos fortalecer, aumentando nossa representação dentro do Partido e junto à sociedade.

Palestra proferida na abertura do I Encontro Nacional de Mulheres, realizado em Brasília, nos dias 13 e 14 de setembro de 2003.

*Dina Lida Kinoshita - Física, ambientalista, membro da Cátedra Unesco para a Educação para a Paz, Direitos Humanos, Democracia e Tolerância, do Instituto de Estudos Avançados da USP, é membro da Executiva Nacional e da Comissão de Relações Internacionais do PPS.

A mulher em situação de vulnerabilidade social

Tese 2 – I Encontro Eleitoral das Mulheres do PPS - Rio, 2009.

As relações entre homens e mulheres ao longo do desenvolvimento da presença humana na terra não foram sempre iguais. Dessa forma, para que não se perca o foco sobre as teses a serem discutidas no encontro nacional do Partido, algumas premissas devem ser explicitadas.
A primeira diz respeito à necessidade de se levantarem questões sobre a participação da mulher na política, sem desmerecer, no entanto, a importância da presença masculina. No campo democrático, o que vale são as lutas por temas que unam mulheres e homens na continuidade histórica de responsabilidades humanas e sociais. É o equilíbrio entre mulheres e homens, mais do que cada sexo fez separadamente, que no final das contas importa.

O segundo ponto se refere ao tratamento da questão de gênero. O destaque que se dá esse quesito é uma forma de enfatizar a dimensão social e, portanto, histórica, das concepções cristalizadas relativas às desigualdades entre os gêneros feminino e masculino. No caso da mulher, os inúmeros trabalhos dedicados aos estudos de gênero vêm contribuindo enormemente para o macroentendimento das relações sociais e suas variações ao longo da história.

O terceiro ponto a ser observado diz respeito à relação gênero/meio ambiente, na qual se destaca a concentração da pobreza em áreas de vulnerabilidade ambiental. A distribuição desigual da população sobre os recursos naturais é resultado do processo econômico que destina as melhores localizações para quem pode pagar restando aos setores de baixa renda, as piores parcelas do território urbano.

Nesse contexto, a mulher tem que multiplicar seus esforços para garantir sua sobrevivência social, sobretudo nos campos da segurança e da saúde pública.

Mulher e sociedade no século XXI

O conceito ocidental de organização social predominou sobre o resto do planeta, de características patriarcais responsáveis pelo formato desigual das relações existentes entre homens e mulheres. Com o tempo, essas relações patriarcais foram se fragilizando no Ocidente, abrindo brechas, ou seja, espaços de lutas nos quais as mulheres se inseriram para lograr relações de gênero mais democráticas. A intensa movimentação – física e virtual – das sociedades no processo de globalização que se instalou (na segunda metade do século XX) configurou um declínio do poder político e cultural do Ocidente, manifestado em grandes movimentos de descolonização e no surgimento de novas nações.

No século XXI, um novo mundo emerge marcado pela aproximação contraditória entre Ocidente e Oriente na qual posições oriundas das culturas tradicionais tais como as muçulmanas e as africanas convivem com as conquistas libertárias das mulheres no mundo ocidental.

No caso do Brasil, nossa formação social multicultural promoveu uma integração no nosso território. A população brasileira, com base nos dados do último censo demográfico e nas pesquisas intercensitárias, tais como o Pnad, é majoritariamente formada por mulheres, distribuídas, igualmente, em todos os níveis socioeconômicos presentes e, também, igualmente por todo o território nacional, ou seja, não existem regiões com predomínio numérico populacional do sexo masculino.

Ainda que a população do Brasil se localize majoritariamente nas áreas urbanas, também a distribuição espacial das mulheres ocorre de maneira igual. A questão que se destaca é a da concentração de populações de baixa renda nas áreas mais afastadas do centro, ocorrendo, especialmente, em ambientes não adequados ao assentamento humano.

As questões relativas à organização familiar e mesmo à fertilidade têm profunda conotação socioeconômica e, como consequência, possuem localização físico-territorial precisa.
Diante do exposto, podemos visualizar duas situações no âmbito das questões relativas à vulnerabilidade da mulher. Uma, ligada ao gênero feminino, focaliza a violência doméstica e a violência urbana. A outra, sobre a vulnerabilidade socioeconômica que diz respeito à mulher no sentido da organização da família. As mulheres são responsáveis por 58% delas. Daí a importância de sua condição educacional, sua habilidade no trabalho, os resultados materiais do seu trabalho, a habitação e os equipamentos urbanos necessários à sua sobrevivência, mesmo porque neste período de crise, serão as que mais sentirão os reflexos negativos.

***
Para discussões:

1. Para o aumento da participação feminina na política ligada à sua vulnerabilidade de gênero:
• disseminação e generalização dos elementos previstos na Lei Maria da Penha.

2. Para a atuação junto às mulheres no sentido da vulnerabilidade socioeconômica:
• universalização do atendimento da demanda de educação infantil – de 0 a 6 anos;
• exigência da fiscalização da aplicação da lei federal que obriga as empresas a oferecerem creches para as funcionárias majorando as multas previstas;
• manutenção do equipamento social em áreas de vulnerabilidade social de apoio à mulher, à adolescente e à idosa;
• retirada das famílias das áreas de risco geológico;
• priorização das mulheres na questão da oferta de unidades habitacionais, por serem majoritariamente, condutoras dos lares no Brasil;
• manutenção dos equipamentos sociais de apoio integral à saúde da mulher, especialmente aqueles destinados ao planejamento familiar.

3. Para fiscalização dos equipamentos e das políticas públicas sociais, especialmente aquelas que combatem desigualdades históricas e estruturais (de classe, raça e gênero) que têm seus recursos contingenciados e destinados ao cumprimento de metas fiscais do governo. Observamos que em situação de crise mundial do sistema financeiro a tendência governamental é restringir ainda mais esses recursos.

O PPS e a luta pelo empoderamento feminino

Tese 1 para o I Encontro Eleitoral das Mulheres do PPS – Rio, 2009.

A política partidária é tradicionalmente uma esfera de atuação masculina. Concorrer a cargos eletivos e exercer um mandato está longe de ser algo que só os homens têm talento e capacidade para fazer, mas, ainda assim, falta espaço e incentivo para as mulheres adentrarem e conquistarem essa área. Basta olhar os números das eleições municipais de 2008.(1)

Quanto ao Legislativo municipal, as mulheres representaram, nestas eleições, somente 22,07% do total de candidatos e 12,52% dos vereadores eleitos. É importante lembrar que, em 2004, as mulheres representavam 22,13% dos candidatos a vereador e 12,65% do total de eleitos. Ou seja, houve diminuição da participação feminina para o cargo, apesar de haver uma lei de cotas. Aliás, em 2008, nenhum dos 27 partidos cumpriu a Lei 9.504/97, que reserva um percentual mínimo de 30% das vagas de candidatura ao sexo minoritário em eleições proporcionais.
O PPS não fugiu à regra: com 21,45% de mulheres candidatas a vereadora, o partido não só deixou de cumprir a lei como também ficou abaixo da média nacional de candidaturas femininas (22,07%). Com o fim do pleito e a apuração dos votos, o PPS novamente se colocou abaixo da média nacional de vereadoras eleitas (12,52%), tendo somente 10,34% de mulheres no quadro de seus novos vereadores.

Em relação ao Executivo municipal, as mulheres foram 10,64% do total de candidatos e 9,07% dos prefeitos eleitos. Em 2004, elas foram 9,53% das candidaturas e 7,32% dos eleitos. Ou seja, houve um tímido crescimento na eleição de prefeitas. Ainda assim, o PPS ficou abaixo da média nacional tanto no que se refere às candidaturas femininas (10,06%) quanto no que se refere à eleição de prefeitas (7,62%).


Diagnosticando os problemas e desafios à participação feminina (2)

O envolvimento das mulheres na política, por uma série de problemas estruturais (e não de origem particular, individual), sempre foi pequeno. Contudo, chama-nos atenção o fato que, neste ano, a participação partidária feminina sofreu diminuição na disputa pelo Legislativo em relação a 2004, ao passo que aumentou no caso do Executivo, apesar de a lei de cotas se aplicar em eleições proporcionais e não em eleições majoritárias. A partir deste problema, sistematizamos alguns fatores que explicam esse fenômeno e o baixo envolvimento de mulheres como um todo:

– A lei eleitoral não está sendo eficaz. Como vimos, houve crescimento das candidaturas femininas a prefeita, eleição majoritária que não é contemplada pelo sistema de cotas, e queda na disputa pelos cargos legislativos e eleição de vereadoras. O que se pode concluir é que o sistema de cotas não tem apresentado efeitos diretos sobre as candidaturas e possui um caráter mais simbólico. Além disso, a mesma lei que estabelece cotas providencia o mecanismo para neutralizar seus efeitos: não há sanções para o não-cumprimento da lei 9.504/97 e, para piorar, os partidos podem oferecer até 150% do número de lugares a preencher, o que permite oferecer mais homens e nenhuma mulher sem violar nenhuma norma.

Lei 9.504/97
Há 100 vagas na Câmara dos Vereadores. A princípio, cada partido poderia, oferecer 100 candidatos, sendo que (no mínimo) 30 seriam mulheres. Entretanto, a lei 9.504/97 permite que sejam oferecidos 150 candidatos, com o mínimo de 45 mulheres. Mas, como o partido não é punido em caso de descumprimento e pode deixar em aberto as 45 vagas femininas, ele simplesmente oferece 105 homens e nenhuma mulher para disputar as 100 vagas sem violar nenhuma norma.


– As mulheres ficam em casa e os maridos vão para os partidos. Com a divisão sexual do trabalho, as mulheres acumulam as tarefas de seu emprego e do trabalho doméstico, com o qual os homens não se envolvem muito. Assim, os maridos contam com tempo e disposição para se envolver em atividades partidárias e sindicais, enquanto as mulheres são absorvidas pelas tarefas do lar após chegarem do trabalho. A construção de uma carreira política é extremamente onerosa para as mulheres. Sem recursos financeiros ou influência, sem tempo para a ação política por conta da dupla jornada de trabalho, com a responsabilidade de cuidar da casa e dos filhos, é muito difícil participar da política partidária.

– Os eleitores e os partidos não colaboram. O Brasil é um país extremamente machista e grande parcela da sociedade acredita que há atividades distintas para homens e mulheres. Poucos eleitores votam em mulheres, poucos partidos incentivam suas militantes a se tornar líderes e candidatas.


Qual o papel do PPS e dos outros partidos nessa luta?

Reconhecendo tudo o que acaba de ser argumentado, os partidos precisam tomar parte na luta contra o fato de estarmos sempre à margem das candidaturas na disputa eleitoral de forma mais ativa. Não só para ajudá-las, mas para se ajudar: cada vez mais, acadêmicos de Ciência Política apontam a sub-representação feminina como um fator de déficit democrático. Países (e partidos) que contam com um alto grau de participação feminina na política são vistos como mais inclusivos, justos e democráticos.

Desta forma, os partidos políticos, se desejam ser reconhecidos como mais progressistas, precisam se empenhar em acolher cada vez mais mulheres e reconhecer a necessidade de ampliação de sua participação política para o aprofundamento da democracia. O argumento “não conseguimos preencher as listas de candidaturas femininas”, além de cômodo e machista, não está colando mais. Os partidos precisam cumprir a lei eleitoral. E o que precisam fazer para produzir boas candidatas é se dedicar ao trabalho de capacitação e empoderamento das mulheres que militam no partido.

Há muitas mulheres competentes trabalhando nos bastidores dos partidos que necessitam de incentivo e apoio. Os partidos, em geral, não estimulam a participação delas. As raras mulheres bem-recebidas possuem extraordinária trajetória política e, freqüentemente, candidatas comuns são deixadas de lado em benefício de candidatos comuns. Muitas mulheres que pensam em se candidatar acabam desistindo, pois não possuem nem o apoio do partido nem apoio financeiro necessários a uma campanha.


O que fazer?

Para incorporar mulheres à política partidária e superar as dificuldades listadas, é preciso:
– Reformar a lei eleitoral para obrigar os partidos a lançar mais candidatas. O mecanismo de ação afirmativa NÃO DEVE SER DESCARTADO, ele precisa ser aprimorado. Uma proposta simples seria trocar o termo “vagas” por “candidaturas” na lei 9.504 e estabelecer uma sanção ao não-cumprimento das cotas. Uma sugestão mais radical seria levar a cabo uma reforma política que inclua a adoção de listas de candidatura fechadas com alternância de sexo. De qualquer forma, seriam necessárias medidas complementares (financiamento público exclusivo das campanhas, reserva de tempo de propaganda política para mulheres, destinação de percentual do fundo partidária para as mulheres).

– Distribuição das tarefas domésticas. É preciso combater os impactos da divisão sexual do trabalho com políticas sociais, para que as mulheres possam participar mais. Todos sabem que a mulher é a principal responsável pelos afazeres do lar e que a falta de uma distribuição igualitária de tarefas domésticas e a ausência de uma cobertura de educação pré-escolar contribuem para seu afastamento da política institucional, que demanda tempo e dedicação.

– Combater o machismo no eleitorado e nos partidos. É preciso desenvolver uma cultura política mais igualitária e inclusiva, de modo a valorizar outros tipos de participação que não as formas de ação ligadas ao mundo masculino, de classe média alta, da população branca. Os partidos políticos e os eleitores precisam tomar consciência que as mulheres são tão competentes e necessárias ao mundo público quanto os homens.



“Se me deixam falar...” (Domitila)

Tese do II Congresso Nacional das Mulheres do PPS – 2007

No atual estágio do processo civilizatório da Humanidade é inadmissível constatar o grau de desigualdade ainda existente entre homens e mulheres, como faz o Relatório sobre a Situação da População Mundial 2005 – A Promessa de Igualdade: Eqüidade de Gênero, Saúde Reprodutiva e os Objetivos do Milênio do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).

Uma situação que atinge, diretamente, a qualidade de vida de bilhões de seres humanos nas mais diversas regiões do planeta, afetando os índices de pobreza, educação, saúde, mortalidade, violência, direitos humanos e eficiência econômica.

A promoção da igualdade de gênero requer investimentos diretos em educação, saúde, oportunidades econômicas e direitos políticos que podem possibilitar, em longo prazo, o desenvolvimento sustentável das próximas gerações.

“Não podemos tornar a pobreza parte do passado até darmos um fim à violência contra mulheres e meninas, até que as mulheres desfrutem integralmente de seus direitos sociais, culturais, econômicos e políticos”, afirma Thoraya Ahmed Obaid, Diretora-Executiva do UNFPA.

Da declaração de Thoraya, uma brilhante síntese do Relatório, selecionamos algumas constatações que achamos merecer atenção especial:

1. Muitos líderes defendem o livre comércio para estimular o crescimento econômico. Chegou o momento de conclamar ações que liberem as mulheres da discriminação, da violência e dos problemas de saúde que elas enfrentam todos os dias. Tais ações poderão desencadear o poder de metade da humanidade, permitindo que tais pessoas contribuam para o crescimento econômico. A desigualdade é ineficiente do ponto de vista econômico: representa uma violação dos direitos humanos e um risco para a saúde das pessoas. O cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio requer que homens e mulheres saudáveis trabalhem juntos, em pé de igualdade. Como proclamaram os líderes mundiais em recente reunião de Cúpula, o progresso das mulheres será o progresso de todos.

2. Atualmente, problemas de saúde reprodutiva – dentre os quais o HIV/Aids – permanecem como a principal causa de morte e doença entre mulheres e meninas na faixa dos 15 aos 44 anos. Todos os anos, mais de meio milhão de mulheres e meninas morrem devido a complicações relacionadas à gravidez – na maior parte das vezes, perfeitamente evitáveis..

3. Maiores investimentos em saúde sexual e reprodutiva são uma necessidade urgente para a melhoria da saúde materna, a redução da pobreza e o combate ao HIV/Aids. Em todo o mundo, a face do HIV/Aids é cada vez mais feminina, e cada vez mais jovem. Dos 40 milhões de pessoas que, sabe-se, convivem com o vírus, cerca de 50% são mulheres. Não conseguiremos reverter a epidemia de Aids até que consigamos eliminar a discriminação e a violência contra mulheres e meninas. Na ausência de uma cura, a prevenção é a primeira linha de defesa para deter a epidemia.

4. Atualmente, pagamos um preço alto demais para a violência de gênero. Estima-se que uma em cada cinco mulheres no mundo será vítima de estupro ou de tentativa de estupro ao longo de sua vida. Uma em cada três será espancada, forçada a ter relações sexuais, ou sofrerá outras formas de abuso, em geral por parte de um familiar ou conhecido.

5. Embora, atualmente, mais mulheres e meninas recebam educação do que em qualquer outro período na história, dois terços de todas as pessoas analfabetas no mundo ainda são mulheres. Mulheres e meninas educadas têm maior probabilidade de adiar a maternidade, ter famílias menores, e imunizar e educar seus filhos. Elas também têm uma probabilidade maior de ter bons empregos e rendas mais altas.

6. A legião de jovens é, hoje, a maior da história, mas as necessidades dos jovens são freqüentemente ignoradas pelos formuladores de políticas públicas e pela comunidade de apoio ao desenvolvimento.

7. O mundo pode acabar com a pobreza até o ano de 2015. O mundo pode cumprir as promessas feitas às populações mais marginalizadas do mundo. Trata-se somente de uma pequena fração do trilhão de dólares alocado para gastos militares, ou das enormes somas perdidas nas redes de corrupção a cada ano. É o mesmo valor estimado para a reconstrução das zonas destruídas pelo furacão Katrina.

Dados do Banco Mundial revelam que, nas nações desenvolvidas, as mulheres ganham 77 centavos para cada dólar que os homens recebem e, nas nações em desenvolvimento, apenas 73 centavos. O Relatório do UNFPA mostra que, a cada minuto, uma mulher morre em decorrência de problemas na gravidez, alcançando o impressionante número de 500 mil mortes anuais.

A desigualdade de direitos faz com que o risco delas contraírem o vírus HIV e desenvolverem a Aids seja maior. E mais grave: o uso do preservativo, em muitas regiões do mundo, é uma decisão masculina. O resultado é que a contaminação vem crescendo entre as mulheres, revertendo o quadro anterior de maior prevalência nos homens. Esta lamentável realidade inclui as casadas e atinge, especial e infelizmente, as mais jovens.

Como se vê, a situação mundial é preocupante e os avanços ocorrem em ritmo lento, muito aquém do desejável. É fato, porém, que muitos países, inclusive o Brasil, trabalham para diminuir as disparidades de gênero na educação e melhorar o acesso de mulheres, adolescentes e outros grupos marginalizados aos serviços de saúde. No entanto, em quase todas as áreas da sociedade a discriminação persiste. A sexual é latente. Pelo menos 500 milhões de mulheres são analfabetas e, no campo político, 16% dos assentos parlamentares são ocupados por elas, um aumento ínfimo de 4% desde 1990.

Situação no Brasil

O Relatório do UNFPA destaca o trabalho das ONGs brasileiras na redução das disparidades entre os sexos e na luta contra a mentalidade machista. Quanto ao desempenho governamental, vale destacar, inicialmente, que os programas sociais brasileiros vêm, recorrentemente, tendo cortes brutais em seus orçamentos, com conseqüente baixa em suas execuções financeiras. Embora atingida por essa política econômica equivocada, pode-se contabilizar como avanço no combate à discriminação de gêneros, a criação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, que realizou em 2004 a I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, mobilizando o número expressivo de 120 mil mulheres que traçaram as diretrizes da Política Nacional para as Mulheres.

Fazendo uma leitura dessas diretrizes em relação à Plataforma Política das Mulheres do PPS, em linhas gerais podemos nos deter nas seguintes reflexões: no quesito mulher, política e poder há necessidade de se consolidar e de se implementar as conquistas, com as mulheres inseridas nas ações do Estado, reconhecidas como sujeitos de direitos e como sujeitos políticos, tendo como conseqüência maior acesso e participação nos espaços de poder, fator essencial para a democratização do Estado e da sociedade.

Quanto às relações de gênero e desigualdade, compreendendo como se constituem as relações entre homens e mulheres face à distribuição de poder, importa analisar e combater o acesso desigual a bens e serviços, a oportunidades e direitos por parte de homens e de mulheres. Significa compreender como o gênero é um dos eixos estruturantes da desigualdade social no Brasil e em todo o mundo.

As Nações Unidas definem violência contra a mulher como: "Qualquer ato de violência baseado na diferença de gênero, que resulte em sofrimentos e danos físicos, sexuais e psicológicos da mulher; inclusive ameaças de tais atos, coerção e privação da liberdade seja na vida pública ou privada." A violência contra a mulher constitui uma violação aos direitos humanos e é um sério problema de saúde pública. Há mais de três décadas, os movimentos de mulheres vêm denunciando, sistematicamente, esta modalidade de violência sem que se tenha obtido avanços significativos em seu enfrentamento. Algumas iniciativas pioneiras e interessantes foram desencadeadas no Brasil e precisam de divulgação e apoio.

Há várias décadas, as mulheres vêm tendo uma trajetória quase silenciosa no tocante à mudança do seu modo de agir e pensar. Neste mundo globalizado não é mais aceitável desconsiderar fatos que alterem sensivelmente o caminho da sociedade. Uma importante alteração tem ocorrido no campo do trabalho da mulher brasileira. A ascensão da mulher e a evolução dos seus papéis na sociedade merecem especial atenção.

O Relatório do UNFPA revela que a educação da mulher é uma das medidas importantes para reduzir pobreza. Atualmente, cerca de 600 milhões de mulheres em todo o mundo são analfabetas em comparação com 320 milhões de homens na mesma situação. Nossas atuais diretrizes prevêem identificar e atuar com ações afirmativas nas condições sociais que impedem segmentos de mulheres de se alfabetizarem, adequando programas educacionais às necessidades das mulheres.

Inúmeros problemas são encontrados na área da saúde, como atendimento precário e desumano, falta de recursos materiais e ausência de atendimento específico e especializado para as mulheres. O necessário é efetivamente garantir que o Estado cumpra os princípios e diretrizes da política nacional de atenção à saúde integral da mulher, conforme os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS).

Os meios de comunicação devem e podem servir para promover a igualdade de gênero. Um código de ética para os meios de comunicação de massa pode coibir e punir excessos no que diz respeito à violência, racismo, sexismo, pornografia e outros. Além disso, é necessário monitorar os meios de comunicação de massa visando diagnosticar a qualidade da programação na perspectiva de gênero, raça, etnia, apontando lacunas e insuficiências.


Trabalhando com medidas estruturantes

Registre-se o denominado Programa H, pioneiro no Brasil, que treina profissionais de saúde e educação para trabalhar com grupos de rapazes na prevenção da violência, paternidade, saúde sexual e reprodutiva.

Importante ressaltar que as palestras levam à reflexão sobre noções tradicionais de masculinidade e a adoção de atitudes de igualdade entre os gêneros. Com o apoio do UNFPA, este programa está sendo realizado em Costa Rica, Honduras, Nicarágua e Panamá e se expande para países da África e da Ásia.

O Instituto Promundo, no Rio de Janeiro, é um exemplo pela excelência de seu trabalho, reconhecido pelo próprio UNFPA. Criado em 1997, para ajudar crianças órfãs da Aids, o Instituto alargou suas atividades em 1998 com a constatação do aumento do número de crianças que tiveram a mãe assassinada pelo pai. Ao entrar em contato com outras ONGs, implementaram o Programa H na perspectiva de usar tecnologias sociais para mudar atitudes de comportamento por parte dos homens.


Por onde passam nossas responsabilidades?

Para mudar o país e a vida de nossas mulheres, precisamos combater, com firmeza e sem vacilações, a desigualdade, o autoritarismo e a hierarquização históricas da sociedade brasileira. Não como uma conseqüência do crescimento econômico, mas, ao revés, como impulsionador de um desenvolvimento social, includente e sustentável.

Tal combate, reiteramos, deve ser prioridade do Estado democrático, assegurando políticas sociais universais e ampliando a cobertura dos serviços públicos de saúde, educação, saneamento básico e moradia. O país precisa fazer muito, também, no que toca à inserção no mercado de trabalho e na vida política, além de reduzir sensivelmente a violência sexual e doméstica.

Neste sentido, é necessária muita atenção não somente aos problemas específicos, mas, fundamentalmente, àqueles mecanismos que trabalham a igualdade. Igualdade entendida não somente em relação à distribuição dos bens, dos direitos e das obrigações, como também em relação à participação das mulheres enquanto sujeitos sociais na determinação das regras que normatizam a sociedade.

A superação das desigualdades de gênero passa por políticas concretas que propiciem o empoderamento e a auto-sustentação das mulheres, alterem a divisão sexual do trabalho, afirmem o exercício de direitos reprodutivos e sexuais, lutem contra toda espécie de violência e discriminação, em especial a violência sexual, a doméstica e a por orientação sexual. São necessárias políticas para promover a independência econômica das mulheres, incluindo o emprego, combatendo as causas de feminização da pobreza e garantindo a igualdade de acesso para todas as mulheres aos recursos produtivos, às oportunidades e aos serviços públicos.

Diante desse quadro, faz-se necessário formular e desenvolver a implantação de políticas públicas que possam afirmar a igualdade de direitos e a cidadania das mulheres, mediante o enfrentamento das desigualdades e discriminações sociais, em especial as de gênero.

Uma das desigualdades estruturais de difícil superação e que põe em risco a questão da legitimidade da democracia – é a ausência das mulheres nos espaços de poder. Não se muda nada, se as mulheres não estiverem participando de todas as políticas públicas, e se não estiverem presentes nas esferas importantes do Executivo, Legislativo e Judiciário.

Será que um partido político promove mudanças se as mulheres não estiverem participando da elaboração de todas as suas políticas?

Será que um partido político promove mudanças se não afirmar a igualdade de direitos e a cidadania das mulheres?


*"Se me deixam falar..." foi um título inspirado numa fala de Domitila Barros Barrios de Chungara – aos 65 anos, ainda fiel militante da Central Operária Boliviana, criadora da Escola Móvel, cujo currículo escapa deliberadamente às fragmentações disciplinares, suas convicções se dirigem para a construção de uma sociedade justa e pacificada, rubricada pela ética da solidariedade, pela defesa da natureza, pela redução do consumo predatório. Suas inspirações trazem a marca da dupla exploração da condição feminina, da sabedoria da idade. Emitidas de seu ‘castelo’, de sua casinha de um bairro popular de Cochabamba, as palavras de Domitila ressoam com a boa utopia que algum dia ainda veremos realizar. (http://www.redemulher.org.br)