sábado, 27 de setembro de 2008

Mulheres nas Eleições Municipais V – Especial Sul

Por Patrícia Rangel,
Cientista política e consultora do CFEMEA

A sub-representação feminina é um problema amplamente conhecido e divulgado. Muito se falou sobre a baixa presença de mulheres em assembléias legislativas, em grande medida devido ao trabalho da União Inter-parlamentar (IPU), órgão vinculado à ONU que monitora a participação de mulheres nos parlamentos de democracias do mundo todo.

O que dizer sobre a presença de mulheres em cargos legislativos em nosso país? O Brasil é sempre o lanterninha do ranking regional. Em nível federal e estadual, elegemos só 14,8% dos senadoras, 8,7% dos deputadas federais e 11,6% deputadas estaduais, em 2006. Em nível local, somente 12,6% de vereadoras saíram das eleições de 2004.

Neste ano, como nas eleições anteriores, as mulheres são minoria das candidaturas das eleições municipais (21.2%), apesar de serem maioria do eleitorado (51.7%). No Sul do Brasil, não é diferente: a porcentagem de mulheres é 51.4% no eleitorado e 20% nas candidaturas aos cargos de prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/a (7.76% dos candidatos/as a prefeito/a). Vale lembrar que o sul tem a menor média de candidaturas no geral: de acordo com dados atualizados do TSE, o Norte tem 22%, o Sudeste tem 21.7%, o Centro-Oeste tem 21.4%, o Nordeste tem 21.3% e o Sul, 20%.

Nos estados da região, o padrão se reproduz: no Paraná, as mulheres são 51.3% do eleitorado e 20% das candidaturas (8.5% dos candidatos a prefeito); no Rio de Grande do Sul, 51.8% e 20,3% (7,5% das candidaturas a prefeito) respectivamente; e em Santa Catarina, 50,8% e 18.6% (6.9% dos/as candidatos/as a prefeito).

Foco: mulheres candidatas às Câmaras Municipais

As mulheres vereadoras são mais numerosas e começaram a assumir o cargo bem antes do que deputadas e senadoras. A primeira vereadora na capital gaúcha (Julieta Battistioli), por exemplo, assumiu em 1948. Nas eleições municipais de 2008, o Sul tem uma média de mulheres candidaturas ao cargo de vereador/a de 21%. No Paraná, as mulheres são 21.3% dos/as candidatos/as a vereador/a; no Rio Grande do Sul são 21.5%; e em Santa Catarina, 19.7%.

Aos vereadores e vereadoras cabem as funções de representar interesses da população em geral, aprovar leis assegurando o desenvolvimento da coletividade, participar de discussões sobre orçamento, fiscalizar e controlar gastos públicos, avaliar ações da prefeitura. A implementação de legislação e programas essenciais para mulheres depende da ação do município. Daí a importância das eleições municipais e da presença feminina as assembléias municipais.

Apesar de ser relativamente mais acessível às mulheres, conquistar um cargo de vereador é especialmente difícil para mulheres, sobretudo mulheres negras, pobres ou jovens. Mariana Carlos, 22 anos, é candidata a vereadora em Cachoeira do Sul (RS) pelo PT, e contou-nos um pouco sobre as funções dos/as vereadores/as e as dificuldades de ser uma jovem candidata. Mariana argumenta que embora não seja da alçada de um/a vereador/a executar as políticas públicas, é sua obrigação cobrar que a prefeitura faça. Além disso, o/a legislador/a pode, dentro e fora da Câmara, suscitar o debate sobre gênero e a importância de políticas voltadas para as mulheres, além de ficar atento ao cumprimento das leis, principalmente com relação à Lei Maria da Penha, e instruir a população sobre a lei e sua aplicação. Através de um mandato também é possível buscar recursos para a viabilização de oficinas em escolas que debatam questões de gênero e educação sexual. Também no Conselho Municipal da Mulher, os legisladores podem propor projetos.

Porque as mulheres participam pouco da política partidária?

A primeira barreira à participação política feminina já aparece em casa. Em uma sociedade enraizada em valores excludentes, a educação acaba sendo contaminada pelo sexismo ainda na mais tenra infância. Em geral, as meninas crescem condicionadas a pensar que são diferentes dos meninos, que não têm as mesmas qualidades, que não podem se envolver em certos tipos de atividades “masculinas”.

Em relação à divisão sexual do trabalho, as mulheres têm dificuldades para se envolver em atividades políticas por conta da dupla jornada de trabalho (trabalho remunerado e cuidados com a casa), que absorve das mulheres tempo e energia. A militância político-partidária implicaria numa tripla jornada de trabalho.

Mariana destaca que sua educação foi fora do padrão, o que a permitiu ter contato com a política desde pequena e ser incentivada a participar do movimento estudantil. Ela consegue driblar os problemas gerados pela tripla jornada de trabalho por ser solteira, morar com os pais e ainda não ter começado a trabalhar fora.

Um fator bastante apontado por estudiosos para explicar a baixa representação feminina é a resistência e falta de apoio dos partidos políticos, que dão preferência para candidatos com uma trajetória já consagrada (e esses geralmente são homens, brancos, de meia idade, urbanos, heterossexuais, etc). Por conta disso, as mulheres acabam tendo menos espaço, menos recursos para financiamento de campanha e menos apoio moral.

Mariana relata ter encontrado dificuldades em legitimar atuação por ser mulher e jovem, tendo que falar alto para ser escutada em determinadas ocasiões. A candidata chama atenção para o fato de que, na política partidária, as mulheres participam mais nos bastidores, enquanto que os homens assumem cargos de direção e aparecem mais facilmente como candidatos a cargos eletivos. Em relação aos eleitores a dificuldade também aparece, sendo necessário reafirmar constantemente sua trajetória como militante e sua formação acadêmica para ser aceita como uma figura política. Ela diz ter ouvidos coisas do gênero: “nunca votei em mulher, você será a primeira”, “você é muito nova, não tem experiência”, “político tudo é tudo ladrão, mas mulher rouba menos”.

Resta ressaltar que a sub-representação política feminina é transpassada por um sistema de exclusão que se expressa em diversas formas de marginalização, sobretudo econômica e racial. As mulheres não são excluídas dos espaços de decisão não só por serem mulheres, mas por serem maioria da população pobre e por não serem, em grande medida, pertencentes ao grupo étnico dominante. São marginalizadas por serem negras, por estarem na base da pirâmide social, por não terem recursos e influência.

Para Mariana, seria ótimo se existissem mais mulheres, mais negros e cidadãos de grupos populares na política por uma questão de representação. Mas não basta a presença, afirma ela, é necessário comprometimento por parte desses políticos com a promoção de políticas anti-discriminatórias. Senão, eles reproduzem os padrões sexistas de se fazer política.

Ainda que a desigualdade de gênero, por si só, fosse totalmente suplantada e conquistássemos paridade de participação entre mulheres e homens nos cargos políticos, a cara do poder continuaria branca, urbana, proprietária, cristã. Não queremos assembléias legislativas compostas metade por homens e metade por mulheres igualmente proprietários, igualmente brancos, igualmente provenientes das mesmas famílias que detém o poder há séculos, portadores de valores tradicionais e excludentes, representantes de um sistema político bem construído e bem armado, articulado para excluir. São 500 anos atuando e encontrando meios para se manter. O sistema consegue sobreviver pois é fluido, mutante, por ter alta capacidade de adaptação.

É preciso transformar o poder, transformar o sistema político para incluir as demandas e necessidades dos setores excluídos. Para conseguirmos um lugar para a idéia de paridade, é preciso luta para democratizar o poder, não só por mudanças específicas. É necessário mudar o poder inteiro. A reforma proposta pelos movimentos sociais tem como intuito modificar esse sistema. Que o poder de decisão esteja cada vez mais na base. Que o debate sobre a reforma política ganhe as ruas.

Mulheres nas Eleições Municipais IV - Especial Norte

Por Patrícia Rangel,
Cientista política e consultora do CFEMEA

Em 1988, Marina Silva foi a vereadora mais votada do município de Rio Branco, capital do Acre. Em 1990, elegeu-se deputada federal e, em 1994, senadora da república, recebendo o maior número de votos no estado e derrubando a tradição de vitória de grandes empresários e ex-governadores. Teria sido sua trajetória um caso isolado ou estariam o Acre e o Norte do Brasil caminhando para uma maior abertura para mulheres na política institucional?

Vejamos. Em nível nacional, o eleitorado feminino é atualmente 51.7% do número de votantes e as candidaturas de mulheres, 21.2% do total. A região Norte é a única na qual as mulheres ainda são minoria do eleitorado (49.9%) mas, ainda assim, as candidatas da região conseguem superar a média nacional: elas são 22% do total de candidaturas a prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/a.

Para a disputa do cargo de vereadores, as mulheres são 22.6% dos candidatos no Norte, melhor do que a média nacional (21.9%). Alguns estados superam essa média, como Amapá (24.1%), Pará (23.5%), Rondônia (22.1%), Roraima (22.7%) e Tocantins (22.8%). Outros ficam para trás, como Acre (19.2%) e Amazonas (21.1%). Apesar de haver legislação de cotas que reserva no mínimo 30% das candidaturas a cargos legislativos para mulheres, os partidos não têm cumprido a lei e investido em políticas de incentivo à participação feminina nessas eleições.

Portanto, os números de mulheres candidatas no Norte são insatisfatórios se levarmos em consideração o percentual de mulheres na sociedade. Mesmo sabendo que somente Acre, Amazonas e Amapá possuem maioria do eleitorado feminino, os percentuais de mulheres votantes estão na casa do 40%, quase 50%, não na dos 10% ou 20%, como é o caso das candidatas. No Acre, elas são 50% dos votantes, no Amazonas, 50.4%; no Amapá, 50.4%; no Pará, 49.8%, em Rondônia, 49.5%; em Roraima, 49.8% e no Tocantins, 49%. Somando candidaturas a prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/a, as mulheres são somente 18.6% no Acre, 20.5% no Amazonas; 22.8% no Pará; 22.1% em Rondônia; 22.4% em Roraima e 22.1% no Tocantins. O Acre apresenta o menor índice de candidatas no Brasil.

Foco: mulheres em prefeituras

Os/as prefeitos/as possuem a função de apresentar aos vereadores projetos de lei, executar legislação aprovada pela Câmara dos Vereadores, comandar e coordenar contatos externos, administrar a Prefeitura de forma a prestar com eficiência os serviços básicos às necessidades da população, elaborar projetos orçamentários do município, zelar pelo patrimônio e público e recursos públicos, e prestar contas sobre sua administração, entre outras.

Nas eleições de 2008, o Norte apresenta um dos melhores índices de mulheres candidatas a prefeitura, perdendo para o Nordeste (13,3%) e deixando para trás as regiões Sul (7,6%), Sudeste (8,5%) e Centro-Oeste (10,3%). Ainda tendo índices superiores à média nacional e da maioria das regiões do Brasil, o Norte ainda não pode comemorar. De seus 7 estados (Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins), somente 3 têm mulheres disputando a prefeitura nas capitais: Amapá, com 2 mulheres disputando a prefeitura de Macapá; Pará, com 2 candidatas a prefeita de Belém; e Tocantins, que tem uma mulher concorrendo a prefeitura de Palmas. Vale lembrar que somente 9 capitais brasileiras não têm mulheres na disputa pela prefeitura (ou seja, 44% dessas capitais estão no Norte).

Coincidência ou não, os dois municípios da região Norte que possuem candidaturas exclusivamente femininas à prefeitura estão nesses estados: Primavera (PA), de 10 mil habitantes, que só têm mulheres concorrendo ao cargo de prefeito/a (são 3 candidatas) e Porto Alegre do Tocantins (TO), município de 2 mil habitantes no qual 100% dos candidatos a prefeito/a são 2 mulheres.

No Norte, a média de candidaturas femininas à prefeitura é levemente mais satisfatória que a média nacional (10.3%): as mulheres são 11.6% dos candidatos a prefeito na região como um todo. No Amapá, elas são 17.1%; no Pará, 10.5%; em Rondônia são 13.2%; em Roraima, 11.6% e no Tocantins, 13.7%. Em alguns estados do Norte, entretanto, os percentuais de candidatas a prefeita são extremamente piores. É o caso do Acre, com somente 5.9% da candidatas, e do Amazonas, com 9.5%. É importante ressaltar que o Amapá é o campeão brasileiro de candidaturas femininas à prefeitura. Com compensação, o Acre é o último colocado.

Em alguns casos, as candidatas à prefeitura têm sido apontadas como mulheres extremamente poderosas. É o caso de Valéria Vinagre Pires Franco (DEM), candidata à prefeitura de Belém (PA). Apesar de muito jovem, já começou sua carreira política como vice-governadora do Pará estado e vem sendo apontada nas pesquisas de opinião realizadas como a segunda preferida pelos eleitores entrevistados para a prefeitura da capital. Com 21% das intenções de voto, ela está tecnicamente empatada com o atual prefeito, Duciomar Costa (PTB, 24% das intenções de votos), e possui grandes possibilidades de ir para o 2º turno. Marinor Brito (PSOL) também se candidata à prefeitura em Belém, mas fica bem atrás, com 1% dos votos.

Também bem colocada, a atual prefeita de Palmas (TO), Nilmar Ruiz (PL), é candidata à reeleição e está em segundo lugar na disputa, com 31% das intenções de votos. Já em Macapá (AP) as duas candidatas, Fátima Pelaes (PMDB) e Dalva Figueiredo (PT), aparecem em terceiro lugar com 8% cada.

Nas últimas eleições, em 2004, foram eleitas somente 7.5% mulheres para dirigir municípios brasileiros. Este quadro é especialmente negativo para negras e indígenas eleitas. Como a implantação de uma série de leis e programas voltados para as mulheres, como a lei Maria da Penha, depende da ação do município, a relevância dos pleitos municipais para a cidadania feminina é enorme. Resta torcer e contribuir para que, em 2008, esse quadro de sub-representação feminina se altere substancialmente.

Mulheres nas Eleições Municipais III – Especial Centro-Oeste

Por Patrícia Rangel,
Cientista política e consultora do CFEMEA.

Há somente 17,2% de mulheres legisladoras no mundo e 19,5% nas Américas. Segundo a ONU, no atual ritmo, a igualdade de participação entre os gêneros em casas legislativas só será concretizada em cem anos. O Brasil, com 8,7% de deputadas, está em 146ª num ranking de 192 países analisados pela União Inter-Parlamentar (órgão vinculado à ONU) e em penúltimo na América do Sul.

O período eleitoral oferece-nos a cada instante provas de que, na democracia representativa brasileira, o poder político institucional ainda é masculino, branco, heterossexual, cristão, urbano. Nestas eleições, apesar de serem maioria do eleitorado (51,7%), as mulheres são minoria das candidaturas (21,2%). Nas últimas eleições municipais, o quadro não foi mais animador: elas eram 21,3% dos candidatos. Somente 7,5% dos prefeitos e 12,6% dos vereadores/as eleitos eram mulheres.

Dos 130.603.787 de eleitores brasileiros aptos a votar nas eleições municipais, 9.148.124 (7%) estão no Centro-Oeste. Apesar de ser a região com menor quantidade de votantes no país (Sudeste tem 43,5%, Nordeste tem 27%, Sul tem 14,9% e Norte, 7,2%), é uma das tem que mais mulheres votantes: elas são 18.424.915 ou 51,1% dos eleitores. O Centro-Oeste perde, em termos de eleitorado feminino, para o Sudeste (51,9% do eleitorado), o Nordeste (52%) e o Sul (51,4%), mas ganha do Norte (49.9%).

Apesar de maioria do eleitorado, as mulheres são minoria das candidaturas. Na média nacional, elas são 21,2% do total de candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereador (10,3% das candidaturas a prefeito e 21,9% candidaturas ao cargo de vereador). O Centro-Oeste tem 21,3% de candidaturas femininas a todos os cargos, enquanto Norte Sudeste, Nordeste e Sul têm 21,8%, 21,1% 21,6% e 19,9%, respectivamente. No Centro-Oeste, as mulheres são 10,2% dos candidatos a prefeito e 22,1% dos candidatos a vereador.

Em Goiás, o 12º estado brasileiro em quantidade de eleitores, há 1.984.609 eleitoras (51.2% dos 3.873.536) contra 1.888.293 votantes homens. Somando candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereador, as mulheres são 20,6% do total (3.232 em 15.672). Elas são 68 dos 658 candidatos a prefeito (10,3%) e 3.071 das 14.356 candidaturas a vereador (21,3%).

Em Mato Grosso, os homens ainda são maioria do eleitorado, contrariando a tendência nacional: 1.016.612 dos 1.993.130 eleitores, ou 51,1%, são homens. Ainda assim, o percentual de candidatas não está muito abaixo da média nacional: as mulheres são 20,8% das candidaturas a prefeito, vice-prefeito e vereador. Elas somam 35 dos 342 candidatos a prefeito (10,2%) e 1.714 dos 7.983 a vereador (21,4%).

Em Mato Grosso do Sul, há 1.617.740 votantes, dos quais 48,8% são homens e 51,1% são mulheres. Em relação às candidaturas femininas, elas são 24,5% do total: 21 dos 183 candidatos a prefeito (8,7%) e 1.233 dos 4.884 candidatos a vereador (25,2%).

A região não aderiu substancialmente à tendência nacional de candidaturas unicamente femininas à prefeitura: dos 16 estados que possuem municípios só com candidatas mulheres, 1 é do centro-oeste (Goiás, com uma cidade nessa situação). Além disso, 2 dos estados que não possuem candidatura feminina na disputa pela prefeitura da capital estão na região: Goiás e Mato Grosso.

Da efetividade e correta aplicação da lei de cotas no caso das assembléias municipais.

Como já vimos, para os cargos legislativos disputados nas eleições municipais de 2008 (vereador/a), as mulheres são somente 21,9% dos candidatos no Brasil e 22,1%, no Centro-Oeste. O que esses dados mostram é que as mulheres são sub-representadas, não só em cargos do Legislativo e do Executivo em todos os níveis, mas ainda no jogo eleitoral, na convocação e seleção de candidaturas.

No Brasil, a legislação eleitoral prevê cotas para mulheres nas candidaturas a cargos legislativos: a lei n. 9.504/97 reserva no mínimo 30% e no máximo 70% das vagas de candidaturas para cada sexo, em eleições proporcionais. A norma já é falha por natureza, pois designa às mulheres somente 30% das vagas nas listas eleitorais num país em que mais da metade da população é composta por mulheres (a lei fracasse em transferir para as assembléias legislativas a realidade da sociedade). Além disso, a legislação não estabelece sanções ou mecanismos que garantam o cumprimento da lei de cotas. Para piorar, a lei n. 9.504/97 permite ao partido “registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa, Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais, até cento e cinqüenta por cento do número de lugares a preencher”. Ou seja, a mesma lei que reserva cotas para mulheres providencia o mecanismo para neutralizar seus efeitos. Isso nos ajuda a entender porque somente 12,6% dos vereadores eleitos em 2004 e 11,6% dos eleitos em 2000 eram mulheres.

Sendo aproximadamente metade da população e 52% do eleitorado, não há lógica no fato de haver somente 21,9% de candidatas mulheres a vereador no país e 22,1% no Centro-Oeste. Se a lei de cotas é falha, insuficiente ou facilmente neutralizada e existe um grave problema de representação feminina na região e no país, é preciso modificá-la, substituí-la ou descartá-la. Mais que isso, é preciso modificar o sistema eleitoral e o sistema político brasileiro como um todo. Isso porque a baixa representação feminina não diz respeito somente às mulheres, diz respeito à democracia. A proporção de mulheres em cargos legislativos tem sido cada vez mais apontada como indicador da qualidade da representação política e critério para mensurar a democracia. Podemos falar em déficit democrático no Legislativo pois uma assembléia só é considerada representativa se sua composição for uma miniatura da sociedade. Uma vez que há aproximadamente 50% de cidadãs e quase nada de legisladoras, é porque não há representação de fato.

Daí a necessidade de se alterar, por meio de uma reforma política, as regras do jogo eleitoral, reservando 50% das vagas das candidaturas para mulheres, como meio de buscar a paridade, e estabelecendo a formação de listas fechadas apresentadas por partido ou coligação, a garantia da alternância por sexo, a destinação de 30% do tempo da propaganda eleitoral gratuita na televisão ou no rádio, entre outras medidas. A importância da participação igualitária e plena da mulher na política institucional precisa ser reconhecida e estimulada. Porque sem igualdade não há democracia.

Mulheres nas Eleições Municipais II – Especial Sudeste

Por Patrícia Rangel,
Cientista Política e consultora do CFEMEA

Falta pouco mais de um mês para os 130.603.787 eleitores brasileiros irem às urnas para escolher novos/as prefeitos/as e vereadores/as. O Sudeste é a região com maior percentual de votantes em geral, de votantes mulheres e candidatas no país. Dos eleitores brasileiros aptos a votar nas eleições municipais, 56.915.973 (43,5%) estão no Sudeste. Destes, 51.9% são mulheres. A região, em percentual de eleitoras, só perde para o Nordeste (52%).

O Sudeste também é a região com segundo maior percentual de candidatas no geral, só perde para o Norte (21,8%): Das 145.307 candidaturas ao cargo de prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/a, 31.488 são femininas (21,6%). Na média nacional, as mulheres são 21,2% do total de candidato/as a prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/a (10,3% das candidaturas a prefeito e 21,9% candidaturas ao cargo de vereador). Dos 4 estados da região sudeste, o campeão de candidaturas femininas é o Rio de Janeiro e o lanterninha é Minas Gerais.

No Rio de Janeiro, onde 53.19% do eleitorado é formado por mulheres, 23,71% das 15.295 candidaturas ao cargo de prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/a, são femininas. São 9,88% de candidatas à prefeita e 24,23% à vereadora.

Em São Paulo, as mulheres são 51.95% dos/as eleitores/as e 23,44% do total de 63.463 candidaturas ao cargo de prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/a. Elas são 9,64% das candidaturas ao cargo de prefeito/a e 24,12% das candidaturas ao cargo vereador/a.
No Espírito Santo, 51.21% do eleitorado é feminino, assim como 19,94% das 6.923 candidaturas ao cargo de prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/a. Somente 9,77% dos/as candidatos/as a prefeito/a são mulheres, assim como 20,65% dos que disputam uma vaga de vereador/a.

Em Minas Gerais, somente 19,45% das 59.626 candidaturas ao cargo de prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/a, são femininas, apesar de as mulheres comporem 51.22% do eleitorado. No estado, temos um percentual de 7,29% de candidatas às prefeituras e 20,24% às assembléias municipais.

Política: a linguagem da violência?

Segundo levantamento realizado pelo Ministério Público Eleitoral, um terço dos candidatos do município do Rio de Janeiro responde a (pelo menos uma) ação por crime de violência contra a mulher. Considerando que das 1.331 candidaturas na cidade, 1.027 são masculinas, essa fração equivale a 343 candidatos. É assustador perceber que o número de agressores que pretendem nos representar nas prefeituras e assembléias municipais seja tão alto. O levantamento deixa patente a total falta de integridade de tais candidatos para levar a cabo tal tarefa. Esses, se eleitos, só farão perpetuar a situação de opressão e violência contra a mulher.

No Brasil como um todo, o número de atendimentos a mulheres vítimas de agressão aumentou 107,9% no primeiro semestre do ano em relação ao mesmo período de 2007. Foram 121.891 atendimentos, contra 58.417 no ano anterior. Segundo a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), o aumento no número de registros se relaciona à maior divulgação da Lei Maria da Penha. Dos 27 estados brasileiros, os que apresentam maior número de chamados para a Central de Atendimento à Mulher são o Distrito Federal (132,8 atendimentos para cada 50 mil mulheres), São Paulo (96,4 na mesma base de comparação) e Pará (79,5 chamados). O Rio está em sétimo lugar (65,4 ligações). Uma pesquisa realizada por Ibope/Themis – Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero, com apoio da SPM, revela que a maioria da população brasileira conhece a Lei Maria da Penha (68%) e reconhece sua eficácia (83%).

Daí a relevância dos pleitos municipais para as mulheres, uma vez que a implantação de uma série de leis e programas voltados para a cidadania feminina, como a lei Maria da Penha, depende da ação do município. Segundo especialistas, as eleições municipais facilitam a escolha do candidato porque os eleitores estão próximos dos políticos e podem acompanhá-los. Temos que aproveitar essa vantagem para distinguir candidatos íntegros de cúmplices da violência e dos valores excludentes, impedindo a ascensão destes. Somente elegendo líderes comprometidos com a superação da marginalização feminina e dispostos a aplicar os mecanismos das leis desenvolvidas em prol da mulher é que poderemos punir os 343 candidatos cariocas e os outros milhares de agressores que estão impunes no Rio de Janeiro e nas outras cidades brasileiras. As eleições se apresentam como possibilidade de reverter a desigualdade entre os sexos e a opressão contra a mulher.

Mulheres nas Eleições Municipais I – Especial Nordeste

Por Patrícia Rangel,
Cientista Política, consultora do CFEMEA

Desde os primórdios da história, as mulheres nordestinas são conhecidas por sua fibra e coragem. Alagoas é terra de Almerinda Farias Gama (primeira mulher negra a ganhar espaço na política do país como delegada na eleição dos representantes classistas para a Assembléia Nacional Constituinte de 1933), a Bahia abrigou Maria José de Castro Rebelo Mendes (a primeira mulher a ingressar no Itamarati, em 1918). No Ceará, tivemos Rachel de Queiroz (escritora de destaque na ficção social nordestina e primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras), no Maranhão, Maria Firmina dos Reis (considerada a primeira romancista brasileira) e na Paraíba, Margarida Alves (líder da luta pelo direito de cultivar a terra).

Pernambuco foi o berço das primeiras advogadas do Brasil (Maria Fragoso e Maria Coelho e Belmira Secundina da Costa) e o Sergipe, da primeira mulher a integrar o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (Maria Rita Soares de Andrade). O Rio Grande do Norte, terra Nísia Floresta (poetisa e pioneira do feminismo) e de Alzira Soriano (primeira prefeita da América Latina, eleita em 1927), foi o primeiro estado a legalizar o voto feminino no país, em 1927 (em âmbito nacional, o sufrágio de mulheres só foi estabelecido pelo Código Eleitoral de 1932 e incorporado à Constituição Federal em 1934. Contudo, a obrigatoriedade plena do voto para todas as mulheres nos mesmos termos que para os homens só foi instituída pela constituição de 1946.)

Nas próximas eleições municipais, a serem realizadas em outubro, as mulheres nordestinas mais uma vez se destacam, tanto como eleitoras quanto como candidatas. Dos 130.603.787 de eleitores brasileiros aptos a votar nas eleições municipais, 35.373.148 (27%) estão no nordeste. Esta é a segunda região com maior quantidade de votantes, só perdendo para o Sudeste, que tem 56.915.973 de eleitores (43,5%). Dos 35.373.148 votantes da região, 18.424.915 ou 52% são mulheres. Entre os 4 estados com eleitorado feminino mais expressivo (mais de 52% de mulheres), dois estão no Nordeste: Ceará e Pernambuco (os outro são Rio de Janeiro e São Paulo). Infelizmente, apesar de maioria do eleitorado, as mulheres são minoria do/as candidato/as. Na média nacional, as mulheres são 21,2% do total de candidato/as a prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/as (10,3% das candidaturas a prefeito e 21,9% candidaturas ao cargo de vereador). No nordeste, a média é de 21,1%: do/as 106.601 candidato/as a prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/as na região, 22.580 são mulheres (dados preliminares do TSE de julho de 2008). Lá, entre o/as 5.018 candidato/as a prefeito/a, 669 são mulheres (13,3%) e 21.016 do/as 96.492 canditato/as a vereador/a (21,7%).

Apesar de não possuir o maior percentual de candidatas no geral (Norte tem 21,8%, Sudeste tem 21,6%, o Centro-Oeste tem 21,3 %, o Nordeste tem 21,1% e o Sul, 19,9%), o Nordeste vivencia um fenômeno, no mínimo curioso: a região concentra 28 dos 41 (68,2%) municípios brasileiros onde só mulheres disputam prefeitura (o número ainda pode ser alterado, pois esses são dados preliminares dos pedidos de registro de candidaturas na Justiça Eleitoral). O líder nacional é a Paraíba, com 7 cidades. Depois, vêm São Paulo, com 5; seguem Bahia, Piauí e Rio Grande do Norte, com 4 cada um; Alagoas e Minas Gerais, com 3 cidades cada; Ceará e Maranhão, com 2 cada; Espírito Santo, Goiás, Paraná, Pará, Pernambuco, Sergipe e Tocantins, com 1 cidade cada um. Ou seja, dos 16 estados que possuem municípios com candidaturas à prefeitura unicamente femininas, 9 são nordestinos. Considerando que a região Nordeste é formada por 9 estados, ela é a única região na divisão política do Brasil na qual 100% dos estados possuem municípios nos quais só mulheres disputam prefeitura. Contudo, nove dos 26 estados não terão uma candidatura feminina na disputa da prefeitura na capital, e Bahia e Maranhão estão nesse grupo (os outros são Acre, Amazonas, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Rondônia e Roraima).

Bahia: só mulheres disputam a prefeitura em quatro municípios.

Neste artigo daremos destaque à Bahia, que tem 5.640 mulheres candidatas a vereadora (21% do total de 26.844 candidato/as) e 141 a prefeita (10,9% dos 1.282). Do total de candidatos a prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/a, elas são 20,3%. No estado, o PT é o partido que tem mais candidatas a vereadora (610 candidatas), seguido do PMDB (547) e do DEM (425) (Em âmbito nacional é o PMDB que tem o maior número de candidatas - 8.464 -, seguido do PT - 7.287 - e do PSDB - 6.848). Em algumas cidades da Bahia, há maioria de mulheres candidatas, o que inverte a lógica das eleições em âmbito nacional. Em Novo Triunfo, cidade de 14 mil habitantes localizada a 334 km de Salvador, 18 das 33 candidaturas registradas para vereador/a (54%) são mulheres.

Em Caraíbas, na região Sudoeste, que tem 10.541 mil habitantes, só há mulheres concorrendo à vaga de prefeito. O fenômeno das candidaturas exclusivamente femininas à prefeitura se repete em Baianópolis, Dias D'Ávila e Madre de Deus (neste, a prefeitura é ocupada por mulheres há quase 10 anos). A Região Metropolitana de Salvador, que é responsável por 48% do PIB da Bahia e onde residem quase 4 milhões pessoas, possui uma presença feminina relativamente forte nas prefeituras: dos 12 municípios da região, 5 são administrados por mulheres (Candeias, Madre de Deus, Dias D‘Ávila, Lauro de Freitas e São Sebastião do Passé). Na região metropolitana, as candidatas a prefeita são 37,5% do total, bem superior à media nacional (10%). Lá, somente Salvador e Vera Cruz não possuem têm candidatas a prefeita este ano.

Ainda assim, estamos longe de presenciar um triunfo feminino na política baiana: são apenas 141 candidatas contra 1.137 candidatos a prefeito/a. Em outras palavras, as mulheres são 10,9% do/as candidato/as, apesar de serem 51,8% do eleitorado. E na capital, todos os candidatos a prefeito são homens. Quando falamos do total de candidato/as (prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador-a), elas são 20,3%, o que ainda é pouco para o grupo que representa a maioria dos eleitores.

Além das desigualdades entre os sexos, outro fator que tem papel central na exclusão dee certo/as indivíduo/as do jogo político é a raça. As mulheres negras, com menor escolaridade, menor renda, piores condições de moradia e trabalho, claramente enfrentam barreiras maiores para concorrer a um cargo político do que as mulheres brancas. Elas sofrem uma discriminação potencializada na empreitada eleitoral: sofrem por ser mulher, sofrem por ser negra. Na Bahia, estado com uma das maiores populações negras do país, chama a atenção que a maioria esmagadora do/as eleito/as sejam branco/as.

Panorama das candidaturas femininas na região Nordeste

Em Alagoas, onde 52,4% do eleitorado é feminino, 1.474 d@s 6.570 candidato/a (22,4%) que concorrem a cargos nas eleições são mulheres: 52 disputam o cargo de prefeito/a (16,7%), 58 o de vice-prefeito/a (18,2%) e 1.364 concorrem à Câmara de Vereadores (29,8%). Ainda muito inferior ao número de homens, a quantidade de mulheres que participam da disputa eleitoral nos 102 municípios do estado cresceu. No Ceará, estado onde 52.3% do eleitorado é composto por mulheres, as candidatas são 21,17% do total (elas são 11.244 num universo de 2.381 candidato/as). Deste total, 516 se candidatam à prefeitura (66 ou 12,7% são mulheres) e 10.203 concorrem a um cargo de vereador/a (2.219 mulheres, ou 21,7%). Apesar do número de candidatas estar bem próximo à media nacional, o Ceará possui uma particularidade: das capitais brasileiras, somente Fortaleza possui uma mulher à frente da prefeita (Luizianne Lins). Nestas eleições, o/as principais candidato/as à prefeitura da capital são mulheres: a própria Luizianne Lins (PT) e Patrícia Saboya (PDT).

No Maranhão, como na maior parte dos estados brasileiros, as mulheres representam maioria do/as eleitores/as e minoria das candidaturas: são 50.9% do eleitorado e 23,6% do total de candidaturas (prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/a). Ou seja, o índice de candidaturas femininas supera a média nacional (21,2%). No Estado, as mulheres são 19,4% do/as candidato/as a prefeito/a e 24,2% do/as candidato/as a vereador/a, enquanto no Brasil como um todo, elas são 10,3% das candidaturas a prefeito/a e 21,9% candidaturas ao cargo de vereador/a. Na Paraíba, as mulheres são 52.6% do eleitorado e 21,15% do total de candidaturas. São 566 candidato/as a prefeito/a, dos quais 88 (15,5%) são mulheres, e 8.653 candidato/as a vereador/a, dos quais 1.882 (21,7%) são mulheres. O Estado é o campeão nacional de cidades com candidaturas exclusivamente femininas à prefeitura. As mulheres dominaram as eleições nas cidades Barra de São Miguel, Caturité, Guarabira, Mato Grosso, Nova Olinda, Pilar e Pombal. A Paraíba tem ainda 70 outras cidades nas quais há pelo menos uma mulher concorrendo à prefeitura. Apesar de interessante, o fenômeno está longe de ser um recorde. São sete cidades num universo de 223 municípios paraibanos. Além disso, não há sequer uma mulher na disputa pela prefeitura em outras 146 cidades do estado. E na Câmara de João Pessoa, a bancada feminina é atualmente composta por somente um vereadora (Paula Fraissinete, do PSB).

Já em Pernambuco, as mulheres são 52.8% do/as eleitores/as e 20% das candidaturas. Na disputa das prefeituras, elas são 10,8% (55 do/as 507candidato/as) e, na Câmara de Vereadores, 20,5% (2.613 em 12.695). No Piauí, por sua vez, a situação é um pouco mais desanimadora que na Paraíba e em Pernambuco. São 1.614 mulheres num total de 8.513 candidato/as a prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/a, Ou seja, 18,9% de candidatas num Estado em que 51.2% do eleitorado é feminino. Em relação às candidaturas para a prefeitura, as mulheres são 13,1% (72 num universo de 548) e, em relação aos que concorrem ao cargo de vereador/a, elas são 19,4% (1.444 em 7.417). No Rio Grande do Norte, temos 52% de eleitorado feminino e 21,9% de candidaturas femininas. São 52 (em 406) candidatas a prefeita (12,8%) e 1.438 (em 6.323) a vereadora (22,74%). Na disputa pela prefeitura da capital do Rio Grande do Norte, há uma mulher na liderança da corrida eleitoral (Micarla de Souza, do PV, com 54% das intenções de voto, de acordo com última pesquisa Ibope) e no segundo lugar (Fátima Bezerra, no PT). No Sergipe as mulheres são 52.1% do/as eleitores-as e 22,6% do/as candidato/as. Elas são 33 do/as 207 (15,94%) candidato/as a prefeito/a e 979 do/as 4.259 (22,98%) candidato/as a vereador/a.


Ranking dos estados nordestinos – candidaturas femininas
Estado
% de candidaturas femininas (prefeito/a, vice e vereador/a)
% de mulheres no eleitorado
Maranhão
23,6%
50.9%
Sergipe
22,6%
52.1%
Alagoas
22,4%
52,4%
Rio Grande do Norte
21,9%
52%
Bahia
20,3%
51,8%
Ceará
21,17%
52.3%
Paraíba
21,15%
52.6%
Pernambuco
20%
52.8%
Piauí
18,9%
51.2%
Fonte: produção própria, com base em dados do TSE (julho de 2008).

O que os dados nos dizem?

O que todos esses números absolutos e porcentagens nos mostram é que, mais uma vez, as mulheres são sub-representadas nas candidaturas e nos cargos do Legislativo e no Executivo (em todos os níveis) do país. No nordeste não é diferente. Mesmo concentrando a maior parte dos municípios com candidaturas à prefeitura exclusivamente feminina (e tendo, em 100% dos estados, algum município nessa condição), a região possui 52% de mulheres no eleitorado e somente 21,1% nas candidaturas a prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/as. Ou seja, há um grave problema de representação dessas mulheres no país e na região. E a baixa representação feminina não diz respeito às mulheres somente, diz respeito a homens e mulheres. As eleições de outubro, então, se apresentam como possibilidade de transformação desse quadro desigual. A relevância dos pleitos municipais para as mulheres é enorme, uma vez que a implantação de uma série de leis e programas voltados para elas depende da ação do município. É o caso da lei Maria da Penha.

As mulheres nordestinas, portanto, devem lançar mão de toda a sua fibra e coragem nessas eleições para eleger não só mais mulheres, e sim mais mulheres com consciência de sua situação de marginalização e dispostas e fortalecer a solidariedade com base na idéia que a desigualdade é estrutural e que todas as soluções para esse problema devem ser coletivas, e não individuais. É preciso haver a combinação de uma política de presença (mais mulheres) com uma política de idéias (consciência de gênero, fim da desigualdade, aprofundamento da democracia). Os homens também precisam se envolver ativamente nessa empreitada, uma vez que a desigualdade entre os sexos é uma questão que também tem a ver com eles e que atingem a sociedade e a democracia como um todo. A democracia não é só uma declaração de direitos, é um modo de viver da sociedade, de se organizar, é um valor universal e permanente. É um compromisso cotidiano, que interessa à maioria e precisa ser monitorada. A ação dos governos precisa ser mais democrática, as mulheres precisam ser mais representadas, e para isso é necessário haver participação popular. Portanto, em se falando de democracia representativa, é preciso que as nordestinas se unam em uma mobilização em prol das candidaturas femininas.

Não adianta, entretanto, votar em uma candidata que, depois de “chegar ao poder”, reproduza as lógicas masculinas e os valores conservadores na democracia representativa, danço longevidade à dominação dos homens. As mulheres que se tornam representantes de outras mulheres têm de estar comprometidas com a mudança da cultura política, não podem reproduzir os modelos androcêntricos de fazer política, sem levar em conta a necessidade de mudanças estruturais. Os representantes homens, por sua vez, possuem a obrigação de trabalhar em prol da extinção de um sistema que os beneficia utilizando a discriminação e a marginalização da mulher. É necessário pensar então uma nova forma de poder, porque ele é hoje masculino, branco, proprietário, heterossexual, cristão, urbano. Daí a necessidade de reformar o sistema política brasileiro, de modo a torná-lo mais inclusivo e democrático. As mulheres e os homens do Nordeste, portanto, devem estar atent@s nessas eleições, além da inclusão de mais mulheres em cargos políticas, para as candidaturas que têm mostrado disposição e interesse por essa transformação. Os partidos políticos, por sua vez, devem abandonar o discurso da apatia feminina e começar a fornecer os estímulos materiais e morais para que as mulheres sintam-se seguras e respaldadas para se lançar numa aventura eleitoral. Isso porque, apesar de os partidos afirmarem que faltam candidatas para preencher as cotas, é sabido que, entre as principais causas para a sub-representação feminina na democracia representativa, está a resistência dos partidos e a falta de incentivo por parte deles. Todo/as precisam abraçar a causa da reforma e participar ativamente desse processo, organizado/as e politizado/as. Para conseguirmos um lugar para a idéia de paridade entre os sexos, é preciso mudar o poder inteiro.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

A questão de gênero e as políticas públicas

– Desenvolvimento de ações locais ainda é processo em construção

Sob o impacto da democratização e da luta de movimentos feministas e de mulheres no Brasil, desde 1980 tem ocorrido um processo gradual de incorporação da problemática das desigualdades de gênero pela agenda governamental. A partir da Constituição de 1988, com a crescente importância dos governos municipais, o problema passou fazer parte também da agenda dos governos locais.

O desenvolvimento de políticas de gênero – ou que incorporem um olhar de gênero – pelos governos municipais é um processo em construção. Essa incorporação tende a refletir a "agenda" e as prioridades definidas por movimentos de mulheres e entidades feministas, assim como prioridades estabelecidas por outros movimentos nos quais a presença de mulheres é decisiva, como, por exemplo, os movimentos de moradia. O eixo de uma ação governamental orientada pela perspectiva de gênero consiste na redução das desigualdades entre homens e mulheres (e entre meninos e meninas).

Falar em reduzir desigualdades de gênero não significa negar a diversidade. Trata-se de reconhecer a diversidade – entre homens e mulheres –, mas atribuindo a ambos o mesmo valor; aceitando que suas necessidades específicas – e nem sempre iguais – devem ser contempladas pela sociedade e pelo Estado. Se não se pára para pensar nesses diferentes modos de estar na sociedade, pode-se propor e implementar ações que aparentemente atendem a todos, mas na verdade não reconhecem necessidades diferenciadas.

Podemos apreender de forma clara o risco de negligenciar a diferença ao considerar, por exemplo, o projeto de um edifício público em tese concebido para todos, mas sem rampas de acesso ou elevadores. Os portadores de necessidades especiais e os idosos com problemas cardíacos não terão acesso a tal edifício que, desta forma, não será para todos.

Em termos de gênero, no caso das mulheres o processo é similar, embora menos evidente, pois não estamos habituados em nossa sociedade a olhar as ações – governamentais e não-governamentais, incluindo nossas ações cotidianas – a partir desse olhar. Podemos refletir sobre alguns casos. Por exemplo, uma política de acesso à moradia que conceda o título de propriedade ao chefe da família, entendido exclusivamente como o pai, o cabeça do casal. E as mulheres, casadas ou não? E as mulheres, chefes de família ou não? Não estariam excluídas do acesso a esta política?

E uma política de segurança pública tradicional – ela tem espaço para atender vítimas de violência doméstica? Tal política conta com pessoal preparado e inclui estratégias de ajuda efetiva às vítimas, num caso em que o agressor é distinto do agressor estranho, por estar dentro de casa? Sabemos que não. As mulheres estão, assim, desprotegidas, tanto na esfera pública como na privada.

Diversos outros exemplos poderiam ser citados, mas o que interessa aqui é destacar que é preciso um novo olhar para poder perceber se os diferentes – homens e mulheres – estão sendo atendidos, se estão tendo oportunidades e espaços iguais, inclusive para se manifestar. É preciso um novo olhar para poder perceber que a desigualdade entre homens e mulheres em nossa sociedade se reflete em pequenas (e grandes) discriminações, em pequenas (e grandes) dificuldades enfrentadas pelas mulheres em seu cotidiano, em dificuldades de inserção no mercado de trabalho e de acesso a serviços, em um cotidiano penoso na esfera doméstica.

– Governos não atendem a todos, se não reconhecem diferenças das necessidades de homens e mulheres –

As ações governamentais, as políticas públicas e os programas desenvolvidos por governos podem exercer um papel importante diante desse quadro de desigualdades. Podem reforçá-lo – o que ocorre, em geral, pelo fato de os governos e as agências estatais não estarem atentos às desigualdades de gênero. E, mais que isso, em decorrência sobretudo de a própria sociedade não estar atenta a essas desigualdades.

Mas as ações governamentais podem também contribuir para a sua redução. Em primeiro lugar, reconhecendo que tal desigualdade existe e que deve e pode ser combatida. A partir daí, integrando essa causa à agenda de governo.

A base para uma ação que vise reduzir as desigualdades de gênero é conseguir identificar como e onde estas se manifestam e quais são seus impactos, para que se possam planejar estratégias de ação. Esta identificação pode contar com o conhecimento acumulado por todos e todas envolvidos nesta luta, em todo o país; a participação da sociedade civil local, sobretudo das mulheres; as equipes envolvidas diretamente com a implementação das políticas, desde que sensibilizadas para a problemática de gênero.

A identificação concreta das formas como se manifestam essas desigualdades permite estabelecer prioridades de ação, como as apontadas pela agenda de gênero: combate à violência contra a mulher; políticas de atenção integral à saúde da mulher; programas de geração de emprego, renda e capacitação; acesso a crédito; acesso à propriedade; combate à discriminação no trabalho; entre outras.

Outro ponto a ser destacado é a prioridade à erradicação do trabalho infantil de meninas. Esse problema é um desafio em todo o país e atinge meninos e meninas. Complementar a ele é o de crianças em situação de rua, entre as quais há um contingente expressivo de meninas.

É importante destacar também a questão de políticas públicas que incorporem as mulheres negras. Há carência absoluta de políticas e programas para os negros em geral e para as mulheres negras em particular, em todo o país. No banco de dados com mais de 7 mil iniciativas de políticas e programas inovadores de governos subnacionais do Programa Gestão Pública e Cidadania da FGV-EAESP, não há mais do que dez programas para a comunidade negra. Este é um enorme desafio: reconhecer essa diferença e construir políticas voltadas à redução da desigualdade que afeta esse segmento.

Existem três pontos fundamentais para a consolidação de políticas públicas com enfoque de gênero. Em primeiro lugar, o comprometimento de todas as secretarias, seu envolvimento com a tarefa da redução da desigualdade de gênero. Em segundo, a abertura permanente para necessidades locais, para demandas nem sempre vindas de grupos organizados. E por último, a necessidade de se instituírem canais permanentes que garantam a sensibilização e a discussão - entre órgãos municipais e entre estes e a sociedade civil.

*Marta Ferreira Santos Farah - socióloga, professora da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, coordenadora do curso de graduação em Administração e vice-coordenadora do Programa Gestão Pública e Cidadania da FGV