segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Mulheres e Eleições 2008: náufragas em um oceano de machos


Patrícia Rangel, cientista política e consultora do CFEMEA
Setembro de 2008


É chegado o tempo das eleições municipais e, com elas, a possibilidade de transformação do espaço público no âmbito local. É especialmente preocupante o fato de, na democracia representativa, o poder político institucional ser masculino, branco, cristão, urbano. Há somente 17,2% de mulheres legisladoras no mundo e 19,5% nas Américas. Segundo a
ONU, no atual ritmo, a igualdade de participação entre os sexos em casas legislativas só será concretizada em cem anos. “Náufragas em um oceano de machos”, a frase que o escritor uruguaio Eduardo Galeano escreveu para descrever as legisladoras de seu país, foi a melhor definição que conheci para o panorama da representação feminina na região e no Brasil.


O Brasil, com 8,7% de deputadas federais, está em 146° num ranking de 192 países e em penúltimo na América do Sul, segundo a União Inter-Parlamentar (órgão vinculado à ONU). Nestas eleições, apesar de serem maioria do eleitorado, as mulheres são minoria das candidaturas a prefeito, vice-prefeito e vereador em nível nacional (21,36% dos 377.733).


Nas últimas eleições municipais, em 2004, o quadro não foi mais animador: elas eram 21,31% dos/as candidatos/as (somando os cargos de prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/a). Somente 7,52% dos/as prefeitos/as (9,53% das candidaturas ao cargo) e 12,65% dos/as vereadores/as (22,13% dos/as candidatos) eleitos/as foram mulheres naquele ano.


Levando em conta que as mulheres são 51,2% da população, 51,7% dos 130.604.430 eleitores brasileiros e 24,9% dos chefes de família, o que os dados nos mostram é que as mulheres são sub-representadas em todos os níveis legislativos e executivos do país. Os motivos dessa sub-representação vão desde fatores culturais até o sistema político, mas são sempre estruturais, ancorados em valores de sistemas ideológicos excludentes como o machismo.


A partir dos dados preliminares disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral em 09/10/2008, o CFEMEA apresenta a seguinte sistematização com o objetivo de oferecer uma base sólida para a reflexão acerca da participação política feminina nas Eleições Municipais de 2008 e contribuir para o debate sobre presença das mulheres no cenário político-partidário do país.


Dados Gerais das eleições
5.558 municípios;
130.604.430 eleitores (51,73% de mulheres).
377.733 candidatos/as (prefeito/a; vice-prefeito/a; vereador/a). 80.665 mulheres (21,36%).
15.231 candidatos/as a prefeito/a. 1.621 mulheres candidatas (10,64%).
347.333 candidatos/as a vereador/a. 76.670 mulheres candidatas (22,07%).
A região Norte é a única na qual as mulheres ainda são minoria do eleitorado (49,9%), mas, ainda assim, as candidatas da região conseguem alcançar a média nacional: elas são 22% do
total de candidaturas a prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/a. O Sudeste é a região com maior percentual de votantes em geral e de eleitoras mulheres no país: dos eleitores brasileiros aptos a votar nas eleições municipais, 56.915.973 (43,57%) estão na região.


Destes, 51,98% são mulheres. A região, em percentual de eleitoras, só perde para o Nordeste (52,09%).


O Sudeste também é a região com segundo maior percentual de candidatas no geral, só perde para o Norte (22%): Das 145.307 candidaturas ao cargo de prefeito/a, vice-prefeito/a e vereador/a, 31.488 são femininas (21,7%). O Centro-Oeste tem 21,4%, o Nordeste tem 21,3% e o Sul tem a menor média de candidaturas femininas, 20%, de acordo com dados do TSE.

Candidaturas às Câmaras de Vereadores
Em 2008:
5.558 municípios;
52.058 cadeiras na Câmara de Vereadores (1 cadeira/2.508,82 eleitores);
130.604.430 eleitores (51,73% de mulheres).

* Em 2008, as mulheres representam 22,07% do total de candidatos/as a vereador, 76.670 em 347.333 candidaturas.

Em 2004:
5.563 municípios.
51.748 cadeiras na Câmara de Vereadores (1 cadeira/2.315,48 eleitores);
119.821.569 eleitores (51,18% de mulheres).

* Em 2004, as mulheres representavam 22,13% do total de candidatos/as a vereador, 76.555 em 346.419 candidaturas.


Constatação 1: enquanto o eleitorado cresceu 8,8%, o número de cadeiras no Legislativo Municipal aumentou somente 0,6%. Desta forma, perdeu-se espaço de representação política e ampliou-se a competição entre os/as candidatos/as.


Constatação 2: Constata-se um crescimento em números absolutos de 115 candidaturas femininas e de 904 no total de candidatos, o que demonstra que as mulheres reduziram a sua participação em 0,06%.

Regiões
De uma forma geral, os percentuais de candidaturas de mulheres às Câmaras de Vereadores
nas unidades federativas são relativamente homogêneos. O menor percentual é da região
Sul (21,10%) e o maior é do Norte (22,61%). Sudeste tem 22,47%, Centro-Oeste tem
22,12% e Nordeste tem 21,90%. Sendo a média nacional 22,07%, somente o Sul e o
Nordeste ficam abaixo da média. As maiores disparidades se mostram na comparação entre
os Estados.
Estados
Em relação ao percentual de candidaturas femininas à vereadora nos Estados brasileiros,
observamos heterogeneidade: o menor índice é 19,40% (Acre) e o maior é 25,26% (Mato
Grosso do Sul).
Igual ou acima da média nacional (22,07%), estão: Mato Grosso do Sul (25,26%),
Maranhão (24,33%), Rio de Janeiro (24,27%), Amapá (24,22%), São Paulo (24,21%), Pará
(23,38%), Alagoas (23,13%), Sergipe (23,04%), Rio Grande do Norte (22,84%), Tocantins
(22,80%), Roraima (22,72%), e Rondônia (22,53%),
Abaixo da média, estão: Acre (19,40%), Piauí (19,62%), Santa Catarina (19,78%), Minas
Gerais (20,31%), Pernambuco (20,69%), Espírito Santo (20,85%), Bahia (21,14%),
Amazonas (21,15%), Goiás (21,40%), Paraná (21,42), Mato Grosso (21,48%), Rio Grande
do Sul (21,53%), Ceará (21,92%) e Paraíba (21,93%).
Em 2004, o Rio de Janeiro (24,79%) ocupava a primeira posição e o Piauí (19,55%), a
última. Ceará, que hoje está abaixo da média, estava no primeiro grupo, com 22,56% de
mulheres candidatas, respectivamente (a média nacional era 22,13%). O Acre caiu
vertiginosamente, de 20,81% para 19,40%.
Rio Grande do Norte e Alagoas, por sua vez, obtiveram sucesso em sair do grupo de
Estados abaixo da média nacional em candidaturas femininas e subiram para o primeiro
grupo. Em 2004, eles tinham 21,32% e 20,91% de candidaturas femininas,
respectivamente.
Partidos políticos
Em relação às candidaturas femininas a vereadora por partido político, faz-se mister
destacar que, novamente, nenhum dos 27 partidos cumpriu a Lei 9.504/97, que reserva um
percentual mínimo de 30% das vagas nas listas eleitorais às mulheres.
Igual ou acima da média nacional de candidaturas femininas (22,07%), estão: PRB
(23,83%), PTC (23,74%), PSTU (23,56%), PC do B (23,44%), PV (23,30%), PRTB
(23,09%), PTN (22,91%), PT (22,90%), PT do B (22,75%), PSDB (22,38%), PMN
(22,29%) e PSC (22,16%).
Abaixo da média nacional, colocam-se: PSL (22,05%), PSB (21,97%) PHS (21,96%), PRP
(21,91%), PSDC (21,91%), DEM* (21,88%), PMDB (21,72%), PTB (21,56%), PPS
(21,45%), PDT (21,43%), PP (21,41%), PCB (21,33%), PR (21,09%) PSOL (20,43%) e
PCO (18,52%).
Em relação às eleições de 2004, subiu para o primeiro grupo o PSDB, que tinham 21,84%.
Desceram para o segundo grupo o PCO e o PP, que tinham 23,46% e 22,18%,
respectivamente. PRONA e PL se fundiram sob a sigla PR em outubro de 2006. Desta
forma, o PL, que tinha 21,42%, se manteve no segundo grupo e o PRONA, que tinha,
24,98%, caiu de posição (o PR tem 21,01% de candidaturas femininas em 2008). O PAN,
que foi incorporado ao PTB em outubro de 2006, também caiu, uma vez que tinha 24,67%
em 2004 (o PTB também tem 21,56% de candidaturas femininas em 2008).
* O PFL mudou seu nome para DEM em março de 2007.
Faixa etária
Observando os dados preliminares sobre as candidaturas ao cargo de vereador/a do TSE,
percebemos que o perfil dos candidatas/os, em termos geracionais, é predominantemente de
meia-idade. A maior parte dos candidatos/as a vereador/a está na faixa dos 45 a 59 anos
(136.228 em 347.333) e a faixa etária onde há menos candidaturas compreende aquela entre
os 18 e os 20 anos (2.555 em 347.333). Observamos também que os homens são maioria
em todas as faixas etárias. Contudo, há algumas em que a diferença é especialmente
marcante: 60 a 69 anos (81,81% homens e 18,19% mulheres), 70 a 79 anos (87,44%
homens) e superior a 79 anos (89,98% homens). A faixa etária em que a diferença é mais
suave é entre os 18 aos 20 anos (67,05% homens e 32,95%). Talvez isso esteja associado
aos ciclos de vida da mulher e às conseqüências da divisão sexual do trabalho. Em relação a
esta, as mulheres têm dificuldades para se envolver em atividades políticas por conta da
dupla jornada de trabalho (trabalho remunerado e trabalho doméstico), que absorve das
mulheres tempo e energia. A militância político-partidária implica numa tripla jornada de
trabalho.
Há um grau de desigualdade na divisão sexual do trabalho social extremamente marcante
no Brasil que, combinado ao peso da dupla jornada, produz impacto direto na
desmobilização das mulheres comuns em relação à política. Com o acúmulo dos trabalhos
remunerado e não remunerado, elas não dispõem de tempo, disposição (referimo-nos ao
cansaço como falta de disposição, na ausência de palavra melhor) ou incentivos para se
envolver em atividades sindicais, partidárias ou comunitárias. Em 96% dos domicílios em
que residem mulheres, uma mulher é a principal responsável pelos afazeres domésticos.
Somente essa informação já nos auxilia a entender, ao menos em parte, porque as mulheres
permanecem fora da política partidária.
Para Araújo e Scalon (2005), a centralidade e as demandas dos filhos são aspectos que
pesam, uma vez que o cuidado1 dos filhos é atribuído às mulheres. As autoras apontam,
nesse sentido, que há mais parlamentares homens casados do que mulheres e que estas
compõem o grupo de legisladores que apresentam índice mais elevado de estado civil
divorciado ou solteiro, o que indica que o cuidado com a família dificulta ou impede seu
maior envolvimento na política e, sobretudo, sua entrada na disputa eleitoral,
principalmente para cargos legislativos federais (Câmara dos Deputados e Senado Federal).
Talvez isso explique o fato de 1,8% das deputadas federais terem entre 18 e 24 anos, idade
em que provavelmente ainda não constituíram família, em oposição a 0,9% dos deputados
homens com a mesma idade (Araújo & Alves, 2007).
1 Cuidado é entendido como atenção social, psíquica, emocional e física oferecida diariamente às outras
pessoas. Ao serem atribuídas as mulheres, essas responsabilidades prejudicam o desenvolvimento da
cidadania social feminina (ARAÚJO e SCALON, 2005).
Além dos fatores listados até aqui, as mulheres têm como barreira o fato de muitos homens
com carreiras políticas consolidadas conseguirem facilmente se reeleger. A possibilidade de
reeleição é um fator de conservação da composição de gênero/ geração e um obstáculo à
renovação da Câmara de Vereadores, prejudicando as mulheres que buscam ingressar na
assembléia. Entre outros motivos, é por isso que as mulheres demoram mais para construir
uma carreira política: 52% das deputadas federais têm entre 45 e 59 anos, em oposição aos
48% de legisladores homens.
Grau de instrução
Assim como ocorre em todas as categorias, os homens são maioria em cada faixa na
classificação do grau de instrução dos candidatos a vereador. Desta forma, apresentam
maiores percentuais de educação formal do que as mulheres em números absolutos. Veja na
tabela abaixo:
Vereador(a)
Instrução/ Cargo Homens Mulheres
Quant. % Quant. % Total
Analfabeto 237 87,13 35 12,87 272
Ensino fundamental completo 44.313 82,36 9.491 17,64 53.804
Ensino fundamental incompleto 65.491 86,12 10.557 13,88 76.048
Ensino médio completo 83.452 75,75 26.712 24,25 110.164
Ensino médio incompleto 16.342 79,18 4.296 20,82 20.638
Lê e escreve 8.769 87,50 1.253 12,50 10.022
Superior completo 38.645 66,61 19.376 33,39 58.021
Superior incompleto 13.414 73,05 4.950 26,95 18.364
TOTAL 270.663 77,93 76.670 22,07 347.333
CFEMEA/ Eleições 2008.
Fonte: TSE Dados Preliminares -
17/09/2008.
Entretanto, fica fácil percebermos que essa superioridade só se dá porque os homens são
numericamente superiores às mulheres. Se separarmos os dados e calcularmos o percentual
de candidatos em cada faixa de grau de instrução sobre o total de candidaturas de cada
sexo, teremos o seguinte resultado:
Vereador(a)
Instrução/ Cargo Homens
Quant. %
Analfabeto 237 0,09
Ensino fundamental completo 44.313 16,37
Ensino fundamental incompleto 65.491 24,20
Ensino médio completo 83.452 30,83
Ensino médio incompleto 16.342 6,04
Lê e escreve 8.769 3,24
Superior completo 38.645 14,28
Superior incompleto 13.414 4,96
TOTAL 270.663 100,00
CFEMEA/ Eleições 2008.
Fonte: TSE Dados Preliminares - 17/09/2008.
Vereador(a)
Instrução/ Cargo Mulheres
Quant. %
Analfabeto 35 0,05
Ensino fundamental completo 9.491 12,38
Ensino fundamental incompleto 10.557 13,77
Ensino médio completo 26.712 34,84
Ensino médio incompleto 4.296 5,60
Lê e escreve 1.253 1,63
Superior completo 19.376 25,27
Superior incompleto 4.950 6,46
TOTAL 76.670 100,00
CFEMEA/ Eleições 2008.
Fonte: TSE Dados Preliminares - 17/09/2008.
Enquanto o grupo de mulheres candidatas mais representativo é o das que terminaram o
ensino médio (24,84%), seguido do grupo das que terminaram o ensino superior (25,27%),
o grupo de homens candidatos mais representativo é o dos que terminaram o ensino médio
(30,83%), seguido dos que não terminaram o ensino fundamental (24,20%). Os homens que
terminaram o ensino superior são só 14,28%, bem menos do que os 25,27% de mulheres
que o fizeram.
De forma geral, altos níveis de educação constituem uma condição favorável para que as
mulheres ascendam a cargos legislativos em todos os Estados. Contudo, parece haver mais
exigências educativas e profissionais para as mulheres parlamentares do que para seus pares
masculinos. Elas precisam ter antecedentes nem sempre exigidos dos homens. Os
parâmetros pra avaliar capacidades e desempenho na política não parecem ser os mesmos
para homens e mulheres.
Candidaturas a prefeita em 2008:
Em 2008:
5.558 municípios;
130.604.430 eleitores (51,73% de mulheres).
* Em 2008, as mulheres representam 10,64% do total de candidatos/as a prefeito/a,
totalizando 1.621 em 15.321 candidaturas.
Em 2004:
5.563 municípios.
119.821.569 eleitores (51,18% de mulheres).
* Em 2004, as mulheres representavam 9,53% das candidaturas, totalizando 1.501
candidatas em um total de 15.746 candidatos/as.
Constatação: Houve um decréscimo em números absolutos de candidaturas ao cargo de
prefeito/a (425 a menos do que 2004) e um crescimento absoluto de candidaturas femininas
(120 a mais do que 2004), correspondendo a um crescimento percentual de 1,11% de
candidatas a prefeita.
Regiões
Os percentuais de candidaturas de mulheres às Prefeituras nas unidades federativas são
menos homogêneos que nas Câmaras de Vereadores. O menor percentual é da região Sul
(8,02%) e o maior é do Nordeste (13,54%). Centro-Oeste tem 10,56%, Norte tem 12,24% e
Sudeste, 8,76%. Sendo a média nacional 10,64%, somente Norte e Nordeste ficam acima da
média. A exemplo do que ocorre na disputa por cargos legislativos, as maiores disparidades
se encontram na comparação entre os estados.
Observamos que o Nordeste, apesar de não possuir o maior percentual de candidatas, no
geral, concentra 28 dos 41 municípios brasileiros onde só mulheres disputam prefeitura. O
líder nacional é a Paraíba, com sete cidades. Depois, vem São Paulo, com cinco; seguem
Bahia, Piauí e Rio Grande do Norte, com quatro cada um; Alagoas e Minas Gerais, com
três cidades cada; Ceará e Maranhão, com duas cada; Espírito Santo, Goiás, Paraná, Pará,
Pernambuco, Sergipe e Tocantins, com uma cidade cada um. Ou seja, dos 16 Estados que
possuem municípios com candidaturas à prefeitura unicamente femininas, nove são
nordestinos. Considerando que a região Nordeste é formada por nove Estados, ela é a única
região na divisão política do Brasil na qual 100% dos Estados possuem municípios nos
quais só mulheres disputam prefeitura.
Estados
Entre as unidades federativas, constata-se uma grande discrepância entre a participação das
mulheres como candidatas a prefeita, com percentuais de candidaturas femininas que vão
de 5,97% (Acre) a 17,16% (Sergipe).
Igual ou acima da média nacional (10,36%), destacam-se: Sergipe (17,16%), Amapá
(17,14%), Alagoas (16,94%), Maranhão (16,57%), Paraíba (15,22%), Tocantins (14,81%),
Roraima (13,95%), Piauí (13,28%), Rondônia (13,25%), Rio Grande do Norte (12,90%),
Ceará (12,80%), Mato Grosso do Sul (11,48%), Pará (11,11%), Bahia (10,07%), Goiás
(10,74%) e Pernambuco (10,74%).
Abaixo da média, colocam-se: Rio de Janeiro (10,20%), São Paulo (9,91%), Mato Grosso
(9,81%), Amazonas (9,61%), Espírito Santo (9,46%), Paraná (8,85%), Rio Grande do Sul
(7,83%), Minas Gerais (7,47%), Santa Catarina (7,11%) e Acre (5,97%).
Em relação a 2004, quando a média nacional era 9,53%, caiu para o segundo grupo o
Estado do Rio de Janeiro, que tinha 9,97%. O Estado de Pernambuco (que tinha 8,23%)
subiu para o grupo dos que têm candidaturas acima da média.
Constatamos também que em nove dos 26 Estados não há nenhuma candidatura feminina
na disputa da prefeitura na capital: Acre, Amazonas, Bahia, Espírito Santo, Goiás,
Maranhão, Mato Grosso, Rondônia e Roraima.
Partidos políticos
Em termos de candidaturas a prefeito/a por partido político, de forma agregada em todo o
país, destaca-se também uma grande diferença entre eles: o percentual de mulheres
candidatas em cada partido vão de 4,12% (PRP) a PCO (40,00%).
Igual ou acima da média nacional (10,64%), destacam-se: PCO (40,00%), PSTU (20,59%),
PTN (13,40%), PC do B (12,63%), PV (12,63%), DEM (12,53%), PRB (13,36%), PR
(12,10%), PMN (11,83%), PHS (11,58%), PSOL (11,46%), PTB (11,16%), PT (10,80%) e
PT do B (10,64%).
Abaixo da média nacional, colocam-se: PSB (10,57%), PMDB (10,30%), PSDB (10,11%),
PPS (10,06%), PRTB (9,80%), PP (9,48%), PTC (9,47%), PSL (9,28%), PDT (9,25%),
PSDC (7,61%), PCB (6,98%), PSC (6,32) e PRP (4,12%).
Em relação a 2004, quando a média nacional era 9,53%, caíram para o segundo grupo:
PRTB (que tinha 17,89%), PTC (11,46%), PRP (10,67%) e PSC (9,94%), Como PRONA e
PL se fundiram sob a sigla PR em outubro de 2006, ambos continuara acima da média, uma
vez que o PR superou os 10,64%.
Em relação ao último pleito, os partidos que saíram do grupo abaixo da média e subiram
para o primeiro grupo são: DEM (que tinha 9,34%), PTN (7,24%), PT do B (7,21%) e
PMN (6,62%). O PAN (4,65% em 2004), que foi incorporado ao PTB em outubro de 2006,
também subiu para o primeiro grupo, uma vez que o PTB passou dos 10,64%.
Faixa etária
A exemplo do que ocorre na disputa pelas vagas nas Câmaras dos Vereadores, os dados
preliminares sobre os candidatos/as ao cargo de prefeito/a do TSE revelam que as
candidaturas são majoritariamente de indivíduos de meia-idade. Da mesma forma que
ocorre em relação às mulheres, há uma sub-representação dos jovens, tanto em candidaturas
quanto em eleições.
A maior parte dos candidatos/as está na faixa dos 45 a 59 anos (7.691 em 15.231) e a faixa
etária onde há menos candidaturas compreende aquela entre os 18 e os 20 anos (nenhuma
candidatura). Apesar de serem quase 19% do eleitorado, os/as jovens (faixa de 18 a 24
anos) são somente 0,43% dos/as aspirantes a prefeito/a2: eles são somente 66 no país todo.
Não bastasse ser pouco, esse número ainda têm decrescido, tanto em número absolutos
quanto em percentual: nas últimas eleições municipais, eles eram 76 no país (0,48%).
2 Para se chegar a esse percentual, é preciso agrupar as candidaturas de duas categorias: candidatos/as com 18
a 20 anos e candidatos/as com 21 a 24 anos.
Dessas 66 candidaturas de jovens, 11 são femininas (16,66%). É na faixa dos 21 aos 24
anos que está a participação relativa mais elevada de mulheres ao cargo de prefeito/a. Ao
exemplo do que ocorre para as Câmaras de Vereadores, isso provavelmente ocorre porque,
nessa idade, as mulheres ainda não foram consumidas pelas atividades e obrigações
relacionadas ao casamento e ao cuidado dos filhos.
Novamente isso se relaciona à divisão sexual do trabalho e à dupla jornada feminina.
Segundo Gustavo Venturi e Marisol Recamán (2005), o intenso movimento em direção ao
mercado de trabalho das mulheres, que se constituíram provedoras das famílias, não
encontrou como contrapartida a equivalência masculina na divisão do trabalho doméstico
nem a mudança de estigmas que reforçam a idéia de inferioridade feminina no espaço
público: entre os casais brasileiros, quase a totalidade dos homens são provedores e
praticamente a totalidade das mulheres executam ou chefiam as tarefas domésticas, ao
mesmo tempo em que quase a metade das mulheres é também provedora e apenas 20% dos
homens participa do trabalho doméstico. Em somente 2% dos domicílios em que há
mulheres, o trabalho doméstico fica a cargo de algum homem e em apenas 19% os homens
auxiliam nessas tarefas.
Grau de instrução
Assim como ocorre em relação às candidaturas às Câmaras de Vereadores, os homens
candidatos à prefeito são maioria em cada faixa na classificação do grau de instrução e
apresentam maiores percentuais de educação formal que as mulheres, em números
absolutos. Contudo, se calcularmos o percentual de candidatos em cada faixa de grau de
instrução sobre o total de candidaturas de cada sexo, perceberemos que, em termos
percentuais, as mulheres candidatas a prefeita possuem grau de escolaridade mais alto que
seus pares masculinos, como podemos ver nas tabelas abaixo:
Prefeito(a)
Instrução/ Cargo Mulheres
Quant. %
Analfabeto 0 0,00
Ensino fundamental completo 55 3,39
Ensino fundamental incompleto 63 3,89
Ensino médio completo 380 23,44
Ensino médio incompleto 28 1,73
Lê e escreve 4 0,25
Superior completo 961 59,28
Superior incompleto 130 8,02
TOTAL 1.621 100,00
CFEMEA/ Eleições 2008.
Fonte: TSE Dados Preliminares - 17/09/2008.
Prefeito(a)
Instrução/ Cargo Homens
Quant. %
Analfabeto 1 0,09
Ensino fundamental completo 1.146 8,42
Ensino fundamental incompleto 1.342 9,86
Ensino médio completo 3.476 25,54
Ensino médio incompleto 561 4,12
Lê e escreve 156 1,15
Superior completo 5.860 43,06
Superior incompleto 1.068 7,85
TOTAL 13.610 100,00
CFEMEA/ Eleições 2008.
Fonte: TSE Dados Preliminares - 17/09/2008.
Enquanto o grupo mais representativo de mulheres candidatas é o das que terminaram o
ensino superior (59,28%), o grupo mais representativo de homens candidatos também é o
dos que terminaram o ensino superior, mas a proporção é bem menor do que no caso de
candidaturas femininas: só 43,06% do total de homens na disputa pelo cargo de prefeito. É
interessante ressaltar que, no caso das candidatas a prefeita, o percentual das que não
terminaram o ensino fundamental é só de 3,82%, quase três vezes menor que nas
candidaturas masculinas: 9,86%.
Esses dados só enfatizam o argumento que trouxemos na discussão sobre grau de instrução
por sexo em candidaturas às Câmaras de Vereadores. Parece haver mais exigências
educativas e profissionais para as parlamentares do que para seus pares masculinos.
Recorte racial e sócio-econômico
O TSE não realiza nem disponibiliza em seu banco de dados levantamento de candidaturas
com um recorte de raça/etnia nem sócio-econômico. A informação deveria ser colhida nas
fichas das/os candidatas/as, a exemplo do que acontece com a categoria “sexo”. Ainda
assim, a observação do dia-a-dia da política institucional nos permite afirmar que a subrepresentação
política feminina é transpassada por um sistema de exclusão que se expressa
em diversas formas de marginalização, sobretudo econômica e racial. As mulheres não são
excluídas dos espaços de decisão, não só por serem mulheres, mas por ser maioria da
população pobre e por não serem, em grande medida, pertencentes ao grupo étnico
dominante. São marginalizadas por serem negras, por estarem na base da pirâmide social,
por não terem recursos e influência.
Ainda que a desigualdade de gênero, por si só, fosse totalmente suplantada e
conquistássemos paridade de participação entre mulheres e homens nos cargos políticos, a
cara do poder continuaria branca, urbana, proprietária, cristã. Não queremos assembléias
legislativas compostas metade por homens e metade por mulheres, igualmente
proprietárias, igualmente brancas igualmente provenientes das famílias que detém o poder
há séculos, portadoras de valores tradicionais e excludentes, representantes de um sistema
político bem construído e bem armado, articulado para excluir. São 500 anos atuando e
encontrando meios para se manter. O sistema consegue sobreviver, pois é fluido, mutante e
por ter alta capacidade de adaptação.
Política: a linguagem da violência?
Segundo levantamento realizado pelo Ministério Público Eleitoral, um terço dos candidatos
do município do Rio de Janeiro responde a (pelo menos uma) ação por crime de violência
contra a mulher. Considerando que das 1.331 candidaturas na cidade, 1.027 são masculinas,
essa fração equivale a 343 candidatos. É assustador perceber que o número de agressores
que pretendem nos representar nas prefeituras e assembléias municipais seja tão alto. O
levantamento deixa patente a total falta de integridade de tais candidatos para levar a cabo
essa tarefa. Eles, se eleitos, só farão perpetuar a situação de opressão e violência contra as
mulheres.
No Brasil como um todo, o número de atendimentos a mulheres vítimas de agressão
aumentou 107,9% no primeiro semestre do ano em relação ao mesmo período de 2007.
Foram 121.891 atendimentos, contra 58.417 no ano anterior. Segundo a Secretaria Especial
de Políticas para as Mulheres (SPM), o aumento no número de registros se relaciona à
maior divulgação da Lei Maria da Penha (lei nº 11340/06). Dos 27 Estados brasileiros, os
que apresentam maior número de chamados para a Central de Atendimento à Mulher são o
Distrito Federal (132,8 atendimentos para cada 50 mil mulheres), São Paulo (96,4 na
mesma base de comparação) e Pará (79,5 chamados). O Rio está em sétimo lugar (65,4
ligações). Uma pesquisa realizada por Ibope/Themis – Assessoria Jurídica e Estudos de
Gênero, com apoio da SPM, revela que a maioria da população brasileira conhece a Lei
Maria da Penha (68%) e reconhece sua eficácia.
Daí a relevância dos pleitos municipais para as mulheres, uma vez que a implantação de
uma série de leis e programas voltados para a cidadania feminina, como a lei Maria da
Penha, depende da ação do município. Segundo especialistas, as eleições municipais
facilitam a escolha do candidato porque os eleitores estão próximos dos políticos e podem
acompanhá-los. É preciso aproveitar essa vantagem para distinguir candidatos íntegros de
cúmplices da violência e dos valores excludentes, impedindo a ascensão destes. Somente
elegendo líderes comprometidos com a superação da marginalização feminina e dispostos a
aplicar os mecanismos das leis desenvolvidas em prol da mulher é que poderemos punir os
343 candidatos cariocas e os outros milhares de agressores que estão impunes no Rio de
Janeiro e nas outras cidades brasileiras. As eleições se apresentam como possibilidade de
reverter a desigualdade entre os sexos e a opressão contra as mulheres.
Cargos executivos X cargos legislativos e a eficácia das cotas
Aos vereadores e vereadoras cabem as funções de representar interesses da população em
geral, aprovar leis assegurando o desenvolvimento da coletividade, participar de discussões
sobre orçamento, fiscalizar e controlar gastos públicos, avaliar ações da prefeitura. A
implementação de legislação e programas essenciais para mulheres depende da ação do
município. Daí a importância das eleições municipais e da presença feminina às
assembléias municipais. O/a legislador/a pode, dentro e fora da Câmara, suscitar o debate
sobre gênero e a importância de políticas voltadas para as mulheres, além de ficar atento ao
cumprimento das leis, principalmente com relação à Lei Maria da Penha, e instruir a
população sobre a lei e sua aplicação. Através de um mandato também é possível buscar
recursos para a viabilização de oficinas em escolas que debatam questões de gênero e
educação sexual. Também no Conselho Municipal da Mulher, os legisladores podem
propor projetos. Apesar de ser relativamente mais acessível às mulheres, conquistar um
cargo de vereador é especialmente difícil para mulheres, sobretudo mulheres negras, pobres
ou jovens.
Os/as prefeitos/as possuem a função de apresentar aos vereadores projetos de lei, executar
legislação aprovada pela Câmara, comandar e coordenar contatos externos, administrar a
Prefeitura de forma a prestar com eficiência os serviços básicos às necessidades da
população, elaborar projetos orçamentários do município, zelar pelo patrimônio e recursos
públicos, prestar contas sobre sua administração, entre outras.
A legislação eleitoral brasileira estabelece um mínimo de 30% para mulheres nas vagas de
candidaturas em cada partido político na disputa por cargos de vereador/a (é importante
ressaltar que a cota é aplicada nas candidaturas, não no número de cadeiras em cada
assembléia). Contudo, ao analisarmos os dados oferecidos pelo TSE, verificamos que, em
relação a 2004, houve crescimento bem maior para a candidatura a prefeito/a, eleição
majoritária que não é contemplada pelo sistema de cotas. Como já vimos, para os cargos
legislativos disputados nas eleições municipais de 2008 (vereador/a), as mulheres desceram
de 22,13% para 22,07%, enquanto para cargos executivos (prefeito/a), subiram de 9,53%
para 10,64%. O crescimento de candidaturas femininas de 2000 para 2004 obedeceu a
mesma lógica.
O que podemos concluir dessas constatações é que o sistema de cotas não tem apresentado
efeitos diretos sobre as candidaturas a cargos legislativos, possui um caráter mais simbólico
do que efetivo e influencia indiretamente a disputa pelo cargo de prefeito/a que, com
certeza, beneficia-se de toda a discussão sobre a necessidade de ampliação da participação
política das mulheres para o aprofundamento da democracia.
Como funciona a lei de cotas no caso das assembléias municipais?
No Brasil, a legislação eleitoral prevê cotas para mulheres nas candidaturas a cargos
legislativos: a lei n. 9.504/97 (Art. 10. § 3º) reserva no mínimo 30% e no máximo 70% das
vagas de candidaturas para cada sexo, em eleições proporcionais. A norma já é falha por
natureza, pois designa às mulheres somente 30% das vagas nas listas eleitorais num país em
que mais da metade da população é composta por mulheres. A lei é insuficiente em
transferir para as assembléias legislativas a realidade da sociedade.
Além disso, a legislação não estabelece sanções ou mecanismos que garantam o
cumprimento da lei de cotas. O máximo de punição para os partidos que violam a
legislação é o impedimento de preencher os 30% mínimos destinados às mulheres com
candidaturas masculinas. Para piorar, a lei n. 9.504/97 permite ao partido “registrar
candidatos para a Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa, Assembléias Legislativas e
Câmaras Municipais, até cento e cinqüenta por cento do número de lugares a preencher”.
Exemplo: se há 100 vagas na Câmara dos Vereadores, cada partido poderia, a princípio,
oferecer 100 candidatos, sendo que no mínimo 30 seriam mulheres. Contudo, a brecha
oferecida pela lei 9.504/97 permite que sejam oferecidos 150 candidatos, com 45 mulheres,
no mínimo. Como o partido não é punido em caso de descumprimento e pode deixar em
aberto as 45 vagas femininas, ele pode simplesmente oferecer 105 homens e nenhuma
mulher para disputar as 100 vagas sem violar nenhuma norma. Ou seja, a mesma lei que
reserva cotas para mulheres providencia o mecanismo para neutralizar seus efeitos. Isso
nos ajuda a entender porque somente 12,6% dos vereadores eleitos em 2004 e 11,6% dos
eleitos em 2000 eram mulheres.
Apesar dos problemas encontrados na aplicação da lei de cotas, é importante ressaltar o
valor desse mecanismo de ação afirmativa, seu efeito simbólico, sua influência nas
transformações da cultura política de modo a aceitar cada vez mais a presença feminina e a
conquista que ela representa para o movimento feminista e para a coletividade de mulheres
brasileiras. O fato de haver dificuldades aponta para a necessidade de aprimorar o sistema,
não de descartá-lo.
Porque as mulheres participam pouco da política partidária?
Os fatores que contribuem para a sub-representação feminina são inúmeros e interagem
entre si de forma tão complexa que fica quase impossível distingui-los. Mas, de forma geral
e simplificada, podemos separá-los em quatro categorias:
1. Sistema político.
No Brasil, os deputados e vereadores são eleitos por meio de um sistema de representação
proporcional com listas partidárias abertas. O sistema de Representação Proporcional
teoricamente se fundamenta na noção de “microcosmo” contida na definição de
representação simbólica. Ele busca reproduzir a configuração da sociedade convertendo
votos de cada partido em assentos no parlamento. No Brasil, entretanto, o sistema eleitoral
falha em alcançar esse objetivo. Na maioria das vezes, isso se deve ao nosso tipo de lista
eleitoral, que se refere à possibilidade do eleitor expressar preferência por partidos políticos
ou candidatos.
O Brasil faz parte de uma família do sistema eleitoral favorável, mas seu tipo de lista é
apontado como adverso à eleição de mulheres. A lista aberta permite uma mobilização de
tipo vertical (re-ordenamento intrapartidário) e autoriza ainda uma mobilização de tipo
horizontal (re-agrupamento interpartidário), possibilitando que o eleitor modifique a ordem
dos candidatos na lista e incorpore nomes de outros partidos políticos. A lista fechada
possui a vantagem de impedir que se anule o pré-ordenamento de uma lista confeccionada
com observância de alternância de sexo, uma vez que o eleitor não pode alterar a ordem dos
nomes dos candidatos na folha de votação. Por esse motivo, muitos estudiosos argumentam
que as cotas por sexos apresentam maiores chances de obter sucesso quando são aplicadas
em sistemas de listas fechadas, como na Argentina, do que em listas abertas, como no
Brasil3. As listas abertas rompem os acordos e os equilíbrios que se tentam alcançar ou
3 Para outros autores, entre eles Clara Araújo (2008), a relação direta entre listas abertas e baixa representação
feminina pode ser questionada. Apesar disso, a autora explica que não é incorreto afirmar que, no caso
brasileiro, o sistema de listas abertas e sua interação com outros fatores provavelmente não ajudam muito as
mulheres candidatas. A autora cita três fatores que contribuem para isso: 1) No Brasil, ao contrário de outros
países que permitem o voto preferencial duplo (Peru, por exemplo), o eleitor só pode votar em um candidato;
2) Não há fidelidade partidária, o que debilita as organizações políticas e individualiza a competição eleitoral;
e 3) A ausência de um financiamento público substantivo para as campanhas, combinada com altas dimensões
preservar no âmbito político institucional, além de tornar o processo eleitoral totalmente
personalizado.
Daí a demanda do movimento feminista para que se instaure no Brasil um sistema de
dupla-cotas, semelhante ao que existe na Argentina: que adote listas fechadas com
alternância de sexo e que estabeleça um pré-ordenamento que coloque as mulheres no topo
da lista (com maiores chances de eleição) e que obrigue que, a cada dois candidatos do
mesmo sexo, o terceiro seja do outro sexo, impedindo que os homens fiquem em seqüência
nos melhores lugares e deixem as mulheres no final na lista. Também é necessário
estabelecer outras medidas que favoreçam a efetividade das cotas, como o financiamento
público exclusivo das campanhas, a reserva de tempo de propaganda política para
mulheres, a destinação de um percentual do fundo partidária para as mulheres realizarem
seminários, cursos de formação e outras atividades que fortaleçam as candidaturas
femininas.
No caso do Brasil, para piorar, há uma distorção na distribuição da representação: as UFs
menores são sobre-representadas enquanto os Estados com maior população são subrepresentados,
tornando a disputa eleitoral nestes mais acirrada.
2. Partidos políticos e recrutamento de candidatos
Em relação à inclusão de candidatas, os partidos, de uma forma geral, não estimulam a
participação de mulheres nas eleições e raramente preenchem as cotas por sexo. As poucas
mulheres bem-recebidas como candidatas nos partidos políticos são aquelas que possuem
extraordinária trajetória política e fama. Por outro lado, candidatas comuns são deixadas de
lado em detrimento de candidatos comuns. Assim, de fato, muitas mulheres que pensam em
se candidatar acabam desistindo, pois não possuem nem o apoio do partido nem apoio
financeiro de ninguém.
Em grande medida, o não-sucesso da cota se deve às singularidades tanto da norma quanto
do sistema eleitoral do país. A adoção de listas abertas e a forte individualização das
campanhas políticas contribuem para que as mulheres tenham muitas dificuldades para
entrar no jogo eleitoral com possibilidades reais de eleição. A ausência de penalidades para
o não-cumprimento acaba tornando inúteis as estratégias voltadas para monitorar se as
cotas são corretamente aplicadas, dando um efeito de caráter simbólico, não efetivo, à
legislação. Desde a implementação da lei 9.504/97, em 1998, nenhum partido respeitou o
sistema de cotas nas eleições que se sucederam. Tal fato nos leva a concluir que, além de
não se empenhar em preencher as vagas reservadas por lei às mulheres nas listas, os
partidos não lançam candidatas com chances reais de se eleger.
Em relação ao recrutamento de candidatos, as qualificações formais dos aspirantes a
candidatos, a experiência prévia em cargos políticos, os vínculos políticos, os recursos
financeiros e a fama são fatores relevantes para o recrutamento. No Brasil, a lógica de
competição eleitoral não distinguiria os sexos. Assim, possuindo capital político e
geográfico-populacionais, torna a busca por recursos financeiros e humanos e redes de apoio dramaticamente
decisiva para o resultado da disputa eleitoral.
visibilidade, uma mulher tem grandes chances de ser recrutada. Isso não se relaciona a uma
vontade política de diminuir a disparidade de gênero na participação político-institucional,
e sim a uma competição eleitoral que valoriza os que já possuem trajetória política e
recursos para a campanha. Com a supervalorização de trajetória política prévia e
visibilidade, o que acaba ocorrendo é que os partidos não se preocupam em promover a
liderança feminina: selecionam só as mulheres com capital político alto para competir com
reais chances de ganhar e convocam outras mulheres só para preencher as cotas e
conformar a lista (“candidatos laranja”). Como são poucas as mulheres que conseguem
trilhar esse caminho, a maioria esmagadora das aspirantes a um cargo legislativo sequer são
cogitadas para se tornarem candidatas com chances reais de eleição.
A racionalidade e a transparência do recrutamento de candidatos/as dependem do
estabelecimento de regras claras e da vontade dos partidos cumprirem-nas, o que raramente
ocorre no Brasil. No país, a seleção de candidatos é feita predominantemente no “jardim
secreto” das decisões de elites partidárias. E nesse jardim secreto os que mandam são os
homens. O sistema político e eleitoral brasileiro é elitista, racista, personalista e sexista,
favorece as pessoas que têm recursos financeiros e influências políticas.
3. Fatores sócio-econômicos
Em relação aos recursos dos candidatos, o caráter individualizado da política eleitoral que
provoca o sistema de listas abertas incentiva a competição entre candidatos inclusive de um
mesmo partido ou coalizão e os lança numa busca por recursos próprios, sejam eles
financeiros, de mídia, de pessoal ou de contatos. Além de uma conseqüência inerente do
tipo de lista, a personalização da política eleitoral ocorre porque o fundo partidário, ou os
recursos dos quais os partidos dispõem para as campanhas eleitorais, são insignificantes
perante os custos de uma campanha. Essas características da lógica eleitoral no Brasil
representam uma dificuldade quase que instransponível para candidaturas femininas. A
decisão de construir uma carreira política é extremamente onerosa para as mulheres. Sem
recursos financeiros ou influências, sem tempo para a ação política por conta da dupla
jornada de trabalho e dos perversos efeitos da divisão sexual do trabalho, é muito difícil
para uma mulher conseguir participar da política partidária. Por essas razões, desde a
sanção da legislação de cotas para mulheres, os parlamentares discutem no Congresso
propostas para complementar e adaptar o sistema de cotas às particularidades da
competição brasileira.
4. Fatores culturais
No Brasil, as desigualdades de gênero em todos os âmbitos definitivamente persistem.
Apesar de conquistas importantes para a coletividade feminina, de a mulher ter se tornado
maioria do eleitorado, apesar de o movimento feminista brasileiro ser um dos mais fortes e
bem articulados que conhecemos, não se alterou substancialmente a força dos valores
patriarcais e suas implicações na sociedade e da política eleitoral. A despeito das
transformações das relações de gênero no último século4, certas desigualdades ainda não
4 Inserção da mulher no mercado de trabalho, exercício do voto, aumento da escolaridade etc.
são percebidas como injustas, e grande parcela da população brasileira ainda considera que
existem atividades distintas para homens e mulheres.
A primeira barreira à participação política feminina já aparece em casa. Em uma sociedade
enraizada em valores excludentes, a educação acaba sendo contaminada pelo sexismo ainda
na mais tenra infância. Em geral, as meninas crescem condicionadas a pensar que são
diferentes dos meninos, que não têm as mesmas qualidades, que não podem se envolver em
certos tipos de atividades “masculinas”.
O que fazer?
Sendo aproximadamente metade da população e 52% do eleitorado, não há lógica no fato
de haver somente 22% de candidatas mulheres a vereador e 10,36% a prefeito no país. Se a
lei de cotas é falha, insuficiente ou facilmente neutralizada e existe um grave problema de
representação feminina na região e no país, é preciso modificá-la, substituí-la ou descartála.
Mais que isso, é preciso modificar o sistema eleitoral e o sistema político brasileiro como
um todo. Isso porque a baixa representação feminina não diz respeito somente às mulheres,
diz respeito à democracia. A proporção de mulheres em cargos legislativos tem sido cada
vez mais apontada como indicador da qualidade da representação política e critério para
mensurar a democracia. Podemos falar em déficit democrático no Legislativo, pois uma
assembléia só é considerada representativa se sua composição for uma miniatura da
sociedade. Uma vez que há aproximadamente 50% de cidadãs e quase nada de legisladoras,
é porque não há representação de fato. O mesmo ocorre para outros grupos sociais
historicamente marginalizados, como negros, indígenas, jovens, entre outros.
Daí a necessidade de se alterar, por meio de uma reforma política, as regras não só do jogo
eleitoral e partidário, mas transformar o poder, transformar o sistema político como um
todo para incluir as demandas e necessidades dos setores excluídos. Eis algumas propostas
para a reforma política sob um ponto de vista feminista:
- A adoção de listas de candidatura fechadas com sistema dupla-cotas e
observância de critérios étnico-raciais e geracionais, para garantir a diversidade
étnica e geracional entre homens e mulheres;
- A destinação de 30% do tempo da propaganda eleitoral gratuita na televisão ou
no rádio, entre outras medidas. A importância da participação igualitária e plena das
mulheres na política institucional precisa ser reconhecida e estimulada. Porque sem
igualdade não há democracia;
- O financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais (para combater a
corrupção nos processos eleitorais e a privatização política);
- A reserva de 30% do fundo partidário para promover campanhas, cursos de
formação política e outras atividades.
- A paridade de participação entre mulheres e homens, garantindo 50% das vagas
para mulheres. Sob o ponto de vista feminista, a única ação afirmativa existente (o
sistema de cotas que reserva 30% de vagas de candidaturas para cada sexo em
eleições proporcionais) não é suficiente para promover a igualdade entre os gêneros.
Para conseguirmos um lugar para a idéia de paridade, é preciso lutar para democratizar o
poder, não só lutar por mudanças específicas. É necessário mudar o poder inteiro. A
reforma proposta pelos movimentos sociais tem como intuito modificar esse sistema. Que o
poder de decisão esteja cada vez mais na população. Que o debate sobre a reforma do
sistema político ganhe as ruas e as assembléias legislativas.
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