terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Entrevista com Sonia Wright

19-12-1008 – Entrevista exclusiva do site “Mais Mulheres no Poder”

Sonia Wright, cientista política da Rede Mulher & Democracia, fala sobre a pesquisa "A questão da Mulher na Visão Parlamentar no Nordeste do Brasil", que resultou na confecção de um livro de mesmo nome lançado há duas semanas.

Você e Vileni Garcia acabam de lançar o livro "A questão da Mulher na Visão Parlamentar no Nordeste do Brasil". Como surgiu a idéia para a pesquisa e confecção da obra?

A pesquisa foi inspirada em trabalho semelhante realizado pelo Cfemea com os parlamentares federais. Nossa idéia era conhecer a(o)s parlamentares estaduais do Nordeste e suas opiniões sobre as questões das mulheres, já que não havia pesquisa sobre o assunto. A investigação foi realizada em duas etapas, a primeira envolvendo quatro estados (Pernambuco, Sergipe, Maranhão e Piauí) e a segunda os cinco estados nordestinos restantes (Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas e Bahia). A coleta de dados da primeira etapa foi feita em 2005, com parlamentares eleita(o)s em 2002, e a da segunda etapa foi realizada em 2007, com deputada(o)s eleita(o)s em 2006. O livro é o resultado da análise dos dados da pesquisa e pretende ampliar o conhecimento sobre a visão parlamentar no que tange os direitos femininos.

Quais os principais resultados que chegaram?

Traçamos inicialmente um perfil dessa(e)s representantes, quanto ao sexo, auto-identificação da cor/raça, faixa etária, grau de instrução, profissão/ocupação, estado civil, número de filha(o)s, partido político, auto-identificação ideológica, áreas prioritárias de atuação no Legislativo e número de mandatos exercidos. Constatamos que as mulheres representam apenas 14,5% da(o)s entrevistada(o)s, enquanto os homens dominam extensivamente esse espaço de poder, com 85,5% dos parlamentares.

A(o)s branca(o)s constituem metade da(o)s legisladora(e)s, ou seja, a representação de pessoas negras é bastante significativa (44,3% da(o)s parlamentares). A faixa de idade com maior número de parlamentares é a situada entre 30 e 49 anos (48,5%). A(o)s jovens (de 18 a 29 anos) apresentam um percentual de apenas 8,7%. Mais da metade (52,7%) da(o)s deputada(o)s possui a formação superior completa.

Quanto à ocupação, a grande maioria é proveniente dos setores médios da população, sendo a(o)s profissionais liberais o maior contingente (29,8%). A grande maioria (76%) da(o)s representantes é casada(o). A maioria da(o)s deputada(o)s possui filha(o)s, sendo que 80,5% possui de 1 a 4 filha(o)s.

Os partidos políticos que mais possuem representantes nas assembléias legislativas da Região Nordeste são o DEM (14,9%), o PMDB (14,5%), o PSDB (13,4%), seguido pelo PT (11,5%).
Quanto à auto-identificação ideológica, a maioria da(o)s parlamentares situa-se no centro e centro-esquerda. Direitos das mulheres e a promoção da equidade de gênero não figura enquanto prioridade legislativa - apenas 11,1% da(o)s parlamentares dedicam-se ao tema. Houve uma renovação de 37% de deputada(o)s que estão em seu primeiro mandato, a maioria delas mulheres.

Quanto a posição parlamentar acerca dos direitos das mulheres, chamou nossa atenção o fato de que há maior aprovação para as cotas no mercado de trabalho do que nos espaços de poder. A(o)s parlamentares consideram (61,8%) que o salário maternidade deve ser pago integralmente pela Previdência Social, independentemente do valor do salário. Mais da metade da(o)s parlamentares identificam a gratuidade do exame de DNA para a população de baixa renda como instrumento da paternidade responsável.

Também considerou-se que o assédio sexual deva ser criminalizado (78,6%). Significativamente 72,9% são favoráveis à inclusão da orientação sexual na Constituição Federal e à regulamentação da parceria civil entre pessoas do mesmo sexo (62,6%).

A maioria (89,7%) também é favorável à inclusão da educação sexual nos currículos escolares. Somente 8,8% é radicalmente contrária(o) ao aborto. As mulheres são mais favoráveis que os homens a que o aborto não seja considerado crime, mas a maioria (66,8%) da(o)s parlamentares é a favor da legalização do aborto, em alguns casos, e o SUS sendo responsável por sua realização, assim como a realização do aborto legal pelo SUS é amplamente aceita (88,2%).

Quanto à violência sexual a resposta quase unânime (95,4%) foi a favor do atendimento das vítimas pelo SUS. A maioria (59,5%) considera que a destinação de recursos orçamentários para os direitos das mulheres é prioritária.

Enfim, a(o)s parlamentares estaduais nordestina(o)s mostraram-se amplamente favoráveis à maioria das reivindicações do movimento feminista e de mulheres.

A região Nordeste tem se destacado nos últimos anos quanto à crescente participação política das mulheres. Como analisa este fato?

O Nordeste tem um histórico de participação política das mulheres que vem desde o movimento sufragista da década de 1920. A primeira prefeita do País foi do Rio Grande do Norte, assim como houve uma intensa participação política através da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF) em estados como a Bahia e Alagoas. Ou seja, existe um histórico de luta e organização das mulheres na Região.

Atualmente o Nordeste possui um forte movimento de mulheres, especialmente nos estados de Pernambuco e Maranhão, que conquistaram recentemente a criação e implementação de Secretarias da Mulher, com feministas à frente destes órgãos governamentais. No estado do Piauí, também foi criada uma Diretoria de Mulheres, vinculada a uma Secretaria. Há que se registrar que a crescente participação política das mulheres na Região ocorre pelo fato de existirem mulheres em cargos de poder, como é o caso da prefeita reeleita Luizianne Lins e da prefeita Micarla de Sousa, eleita prefeita de Natal (RN). A própria eleição da ex-candidata à presidência, Heloísa Helena, para a Câmara Municipal de Maceió (AL) deve-se à sua visibilidade pública, através da mídia, e o exercício do poder dentro de seu partido, o PSOL.

Por outro lado, o Nordeste conserva suas características patriarcais, onde a participação política das mulheres não é fruto de um movimento organizado, mas de espaços familiares na política, onde as mulheres em instâncias de poder são filhas, esposas e irmãs de políticos.

Nas últimas eleições, o Nordeste elegeu quase a metade das prefeitas eleitas no Brasil, estão na região as duas únicas mulheres eleitas prefeitas de capitais e teve uma capital (Maceió) com o maior percentual de mulheres eleitas para Câmara Municipal. Acredita que os bons resultados estão servindo ou podem servir como estímulo às mulheres de todo o Brasil?

Com certeza esses bons resultados devem servir de estímulo às mulheres, não só da Região como do País como um todo. No entanto, chamo atenção para o fato da representação política das mulheres ainda estar aquém do desejado. Com os atuais números, a representação continua simbólica, sem condições de exercer maior influências nas Câmaras Municipais.

Esse fato coloca para o movimento de mulheres o desafio de tratar essa questão de forma mais sistemática, ousando uma atuação suprapartidária que influencie partidos e outras instâncias de poder para que as demandas das mulheres, principalmente quanto ao exercício do poder, sejam atendidas.

Como avalia a relação entre política familiar e participação política de mulheres no Nordeste?
Esse é um aspecto ainda bastante forte na política nordestina. As famílias patriarcais sobreviveram ao fim formal do coronelismo, sendo o poder muitas vezes exercido por familiares, prioritariamente homens. Na impossibilidade de nenhum filho, irmão ou outro familiar do sexo masculino, é que se opta pela participação política da mulher. Esta mulher pode vir a ser uma aliada do movimento de mulheres, como ocorreu com várias durante o processo Constituinte, em que havia muita unidade interna da bancada feminina, ou Bancada do Batom.

Como o movimento de mulheres pode contribuir para uma reforma do sistema político brasileiro? Quais as principais reivindicações?

As mulheres estão participando dos debates e mobilizações para uma ampla reforma do sistema político brasileiro. Ressalto como principais reivindicações no que concerne o sistema eleitoral e partidário, parte dessa reforma ampla, que as eleições sejam financiadas, exclusivamente, por fundos públicos, equalizando as possibilidades de toda(o)s a(o)s candidata(o)s no aspecto econômico, onde as mulheres têm grande desvantagem; as listas fechadas para que se possa implantar a alternância de sexo na lista de candidaturas, obrigando os partidos políticos a garantir uma igualdade de chances entre mulheres e homens, aproximando a possibilidade de paridade; obrigatoriedade do cumprimento da cota, com fortes sanções aos partidos que infringirem a lei; e cotas para as mulheres quanto ao fundo partidário e tempo de propaganda na rádio e tv, garantindo-se melhores condições às mulheres que atualmente dispõem de menos recursos financeiros e menor visibilidade na mídia.

Como as pessoas podem ter acesso ao livro "A questão da Mulher na Visão Parlamentar no Nordeste do Brasil"?

O livro encontra-se à venda por R$ 10,00 com as componentes da Rede Mulher & Democracia nos nove estados nordestinos. Pode ser adquirido também com a Secretaria Executiva da Rede, no Centro das Mulheres do Cabo (cmc@mulheresdocabo.org.br ).