domingo, 21 de fevereiro de 2010

O ORÇAMENTO é um importante instrumento político para as mulheres

Em entrevista ao Jornal Fêmea, Gilda Cabral, sócia – fundadora do CFEMEA fala da importância do Orçamento Mulher e a luta por serviços públicos de melhor qualidade.

Fêmea – Qual a importância da participação das mulheres no orçamento?
Gilda Cabral
– A participação das mulheres no orçamento público é mais uma tentativa de melhorar as ações governamentais, implementando políticas públicas que tragam melhorias efetivas para a vida não só das mulheres, mas a vida de todas as pessoas: homens, mulheres, negr@s ou branc@s, crianças e idosas. Atuar no orçamento público é influenciar no uso dos recursos públicos e garantir a efetivação dos nossos direitos. Sem serviços públicos de qualidade, o direito não se efetiva.

Fêmea – De que forma a política econômica adotada pelo governo impactou as mulheres e negr@s neste ano?
Gilda Cabral
– As políticas neoliberais com seu estado mínimo e o ajuste fiscal adotado pelo governo brasileiro nos últimos anos sucatearam os equipamentos públicos na área da saúde, assistência social e educação, e trouxe conseqüências nefastas para vida da população, especialmente das mulheres. Na falta do Estado, sobra para as mulheres os cuidados com a saúde da família, das pessoas idosas e das crianças e tantas outras sobrecargas. Vejamos um exemplo. A proposta orçamentária para 2010 da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) reduziu quase para a metade o valor autorizado pelo governo em 2009, que foi de R$40.131.689,00. Para 2010, a proposta é de R$23.536.102,00. Até setembro, a SEPPIR - órgão federal responsável por implementar as políticas de combate às desigualdades raciais e étnicas - empenhou 39,60% e pagou 35,80% de seus recursos autorizados para este ano de 2009. A Secretaria é responsável por dois importantes programas: o programa 1336 - Brasil Quilombola e o 1432 - Promoção de Políticas Afirmativas para a Igualdade Racial.

Fêmea – Quais programas e ações relevantes do Orçamento Mulher tiveram baixa execução e precisam de maior acompanhamento?
Gilda Cabral
– O Fêmea tocou num ponto chave de nossa atuação no processo orçamentário. Temos que acompanhar a execução orçamentária. Todas nós que lutamos por direitos e cidadania temos que acompanhar a execução do orçamento. Cobrar esse acompanhamento da Bancada Feminina, de parlamentares que apresentaram emendas e, especialmente, cobrar das pessoas da sociedade civil que integram os conselhos de controle social. Em setembro, o orçamento mulher tinha executado apenas 55,29%, considerando os valores pagos dos recursos autorizados. É importante que a população saiba que existem muitos programas e ações com execução zero. E que até o momento (outubro) nada foi empenhado, como é caso de duas ações bem importantes para as mulheres: a ação 7K02 - Apoio à Implantação de Centros Especializados de Perícia Médico-Legal em Atendimento à Mulher Vítima de Violência - Lei Maria da Penha do Programa 1453 (Pronasci) que tem para este ano uma verba de 500 mil reais e não gastou absolutamente um único centavo. Outro programa é o Trabalho Doméstico Cidadão que é executado pela ação 4733. Este caso, em minha opinião, é um escândalo. Em 2006 e 2007 essa ação executou 95,33% e 99,87% de sua verba de R$27,9 milhões e R$9 milhões. Em 2008, quando se direcionou o programa especificamente para o trabalho doméstico, além de diminuir muito o dinheiro, o processo emperrou. Essa ação 4733, do programa 0101, teve valor aprovado em 2008 de R$7,2 milhões e, em 2009, de R$3 milhões, mas nada foi gasto. Nenhum centavo.

Fêmea – O que as mulheres precisam saber para acompanhar o orçamento público? Como pode ser sua participação no orçamento?
Gilda Cabral – Para acompanhar o orçamento público as mulheres só precisam saber que são cidadãs, têm direitos e que as ações governamentais, que se materializam nas três leis orçamentárias: PPA (Plano Plurianual), LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e LOA (Lei Orçamentária Anual) devem ser planejadas e executadas para garantir esses direitos. As mulheres precisam apenas saber o que querem, que políticas e ações o governo tem que fazer para melhorar suas vidas. Isso é o mais importante, pois no mais é a nossa luta de sempre exigindo que os governos e noss@s parlamentares atuem pela justiça social. Não é preciso ser economista para acompanhar o processo orçamentário.

Fêmea – As mulheres devem estar mais atentas a quais aspectos, na discussão do orçamento para o ano que vem?
Gilda Cabral
– Tudo que diz respeito à economia geral, ao PAC, aos programas sociais, a saúde. Tudo tem relação com os direitos das mulheres. Mas, especificamente eu diria para elas prestarem mais atenção à implantação das ações do governo listadas no Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (II PNPM), e que também fiquem de olho nos programas de habitação, principalmente àqueles voltados para população de baixa renda, pois o governo diz que tem muito dinheiro, mas não libera esses recursos. Fazendo um trocadinho com o programa do governo, eu diria que “A minha vida não é a minha casa”, mas seria muito bom eu ter uma casa decente para morar e, não apenas 35m², ter serviços de saúde, programas de qualificação profissional específicos para as mulheres, os direitos das trabalhadoras domésticas iguais aos dos demais trabalhadores, ter uma vida sem violência e educação de qualidade.

O orçamento não é um instrumento técnico, e sim o melhor instrumento político que temos. Algumas vezes ele é utilizado como instrumento de força política para @s parlamentares conseguirem que uma ação ou projeto orçamentário seja implementado. Mas se @s parlamentares encarassem o orçamento em sua totalidade como um instrumento político, não deixariam que o Executivo agisse com o descuido político, como faz atualmente. Mesmo sendo apenas autorizativo e não impositivo, as alterações que o governo faz, os altos contingenciamentos e a baixa execução orçamentária é uma afronta, não só a parlamentares, como a toda população.

fonte: Jornal FÊMEA 162 - www.cfemea.org.br
O orçamento por Ivonio Barros - quinta, 3 dezembro 2009, 14:13

MULHERES COMO MERCADORIA - Entrevista com Priscila Siqueira

Andrea Miramontes - Folha Universal

A jornalista Priscila Siqueira, de 70 anos, coleciona histórias de mulheres que acabaram drogadas, escravizadas e prostituídas quando saíram do País em busca de trabalho.

Ela é uma das articuladoras da organização não-governamental (ONG) Serviço de Enfrentamento ao Tráfico de Mulheres e Meninas. “Na década de 90, quando falávamos disso, as pessoas achavam que eu era louca, que isso não existia”, diz.

Ela cita um estudo da Organização das Nações Unidas (ONU) que aponta: o Brasil é o País que mais exporta pessoas da América e que o tráfico humano para o trabalho escravo é a terceira maior fonte de renda ilegal do mundo, depois da venda de armas e drogas. “Um dono de um bordel no Canadá afirmou que prefere comercializar uma mulher, que pode ser revendida várias vezes até ficar louca, morrer de aids ou se matar”, afirma.

1 – Como ocorrre o aliciamento de mulheres?
Muitas não sabem que vão ser prostituídas, acham que vão cuidar de idosos, de bebês ou mesmo dançar em boates. Outras sabem. Mas a luta é contra a escravidão. Uma coisa é ser prostituta, outra é ser escrava.

2 – Como se tornam escravas?
As mulheres desembarcam no país e não falam a língua. Há alguém esperando no aeroporto que já toma o passaporte. Elas chegam com dívidas, pois os criminosos alegam que devem pagar documentação e passagem aérea. A ONG internacional Unanima, sediada em Nova York, descobriu que a dívida de cada uma delas equivale a 4,5 mil relações sexuais. E o valor só cresce, porque elas pagam para comer, dormir e tudo é cobrado. Muitas vezes eles drogam as meninas e ameaçam a família de morte, caso o débito não seja pago.

3 – Algum caso foi especialmente marcante?
O da Simone Borges Felipe, uma mãe solteira de Goiás. Com o noivo, decidiram ir para o exterior para juntar dinheiro por 1 ano, e então voltar e casar. Ele foi para os Estados Unidos e ela para a Espanha, com a promessa de emprego de babá. Três meses depois voltou o corpo, com um atestado de óbito por tuberculose. Os pais não aceitaram e foram atrás da história. Descobriram um bordel na Espanha, e nove brasileiras que foram libertadas contaram que eram obrigadas a se drogar e prostituir. Simone teria morrido de overdose.

4 – E como é o trabalho que você faz hoje?
Alertamos as meninas sobre esses convites, mas nem sempre conseguimos. Estive em Rondonópolis (MT), onde visitei um bordel, e topei com uma moça de 23 anos, lindíssima, que ia para a Espanha. Avisei: “Filha, você vai se dar mal”, e expliquei. Ela me respondeu: “Tenho um filho de 2 anos, sou pobre, tenho pais doentes, já estou me dando mal. Se a senhora fosse eu faria a mesma coisa.” Não consegui convencê-la. A miséria ajuda o esquema.

5 – De quais regiões do Brasil saem mais mulheres?
As regiões que mais enviam mulheres são o Nordeste, também rota de turismo sexual, e o Centro-Oeste, de onde saem mulheres de biotipo que agrada no exterior. São vistas como mercadorias.

6 – E os países que mais enviam essas mulheres?
Os piores estão na América Latina, Ásia e África. O leste europeu também ficou um horror depois da queda da União Soviética. Os principais consumidores são Europa, Japão e Estados Unidos. É o eterno ciclo do rico e do pobre.

7 – O Brasil só exporta ou recebe pessoas?
Também recebe. Aqui chega mão de obra escrava para a indústria da confecção, que vem principalmente da Bolívia, Coreia, Paraguai, Uruguai e Peru. Há casos em que os patrões também exploram sexualmente as funcionárias, como o de uma moça que conseguiu fugir e relatou que trabalhava numa confecção para um boliviano que tinha relação sexual com todas as mulheres do local.

8 – Qual o perfil da aliciada?
Tem pouca escolaridade, de 15 a 25 anos, mas para o tráfico interno há meninas de até 8 anos. A pedofilia piora tudo. O homem quer retomar o poder sobre o sexo feminino e, como não consegue com a mulher adulta, busca crianças.

9 – Como isso acontece com as crianças?
São pegas na marra, em qualquer lugar. Quando some uma menina, geralmente a família nunca mais vê. A fundadora da Associação Brasileira de Busca e Defesa a Crianças Desaparecidas (ABCD), perdeu a filha de 13 anos quando a menina foi comprar pão. Nunca mais voltou. Ao prestar queixa do desaparecimento, recebeu ameaças de pessoas que diziam saber que ela tinha outra filha.

10 – Como é a recuperação da mulher que consegue fugir?
Passa por tratamento psicológico, às vezes muda de identidade e endereço. Muitas nunca se recuperam. Teve uma moça da Bahia que se prostituía na Suíça. Certa vez, recusou-se a fazer um programa. O cliente não gostou, chamou a polícia e afirmou ter sido roubado. Ela acabou presa, pois era a palavra de um suíço contra a de uma brasileira negra, que mal falava a língua. Encontraram-na 2 meses depois em um sanatório na Suíça. Conseguiram trazê-la de volta, mas já havia enlouquecido.

Leia mais: http://www.feminismo.org.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=736:mulheres-como-mercadoria-entravista-com-priscila-siqueira&catid=1:direitos#ixzz0gEtEG5fj Under Creative Commons License: Attribution Non-Commercial

Sáb, 20 de fevereiro de 2010 14:22 Administradora