terça-feira, 27 de abril de 2010

Breves reflexões sobre o exercício político das mulheres - Vera L. Bertoline

Qualquer reflexão que se pretenda fazer sobre a inserção da mulher na política leva-nos a tentativa de responder: qual é o significado de política. Segundo o Dicionário de Política (Bobbio et al, 1998), “é um termo derivado de pólis (politikós), que significa tudo o que se refere à cidade”. Quando mencionamos a pólis remetemos a Grécia do início do século IV antes da era cristã e visualizamos os sujeitos autorizados na sua vivência: os homens gregos. Logo, escravos, estrangeiros e mulheres – mais de três quartos da população adulta - estavam excluídos/as de tal vivência. Aristóteles justificava que as mulheres eram inferiores, em virtude da não plenitude da parte racional da alma, portanto deveriam, por sua graça natural, permanecer em silêncio. Tal política excludente – reconhecida como as primeiras formas de democracia – contribuiu para a definição do exercício do poder nas diversas sociedades. As diferentes trajetórias da nossa sociedade e de constituição do Estado – colonial, republicano (democrático, autoritário) – adensaram tal definição, caracterizando o poder como: branco, rico, macho e cristão.

Contra o poder machista as mulheres brasileiras vêm se colocando de forma contundente, mais especificamente após a IV Conferência Mundial sobre a Mulher (1995), ocorrida em Beijing/China, a fim de definirem o seu acesso ao poder. Como resultado dessas articulações houve mudanças na legislação eleitoral brasileira, assegurando uma cota das vagas de cada partido ou coligação para as candidaturas de mulheres, o que contribuiu para a adoção de tal prática em outros espaços – públicos e privados.

Avanços e recuos significativos – quantitativos e qualitativos –, referentes à participação de mulheres, nos diferentes espaços de poder podem ser observados nesta trajetória. O desafio, do meu ponto de vista, permanece: como tem se revelado o exercício do poder pelas mulheres?
O aprendizado – também pelas mulheres, porque não? – tem nos levado a reprodução de uma lógica perversa no nosso exercício político que ainda tem caracterizado e definido o poder como branco, rico, macho e cristão. É inadiável trazermos a tona tal discussão, não no sentido de “inventarmos” um poder feminino soft - pertinente a “tal” alma feminina, constructo sócio cultural da nossa docilidade que resultou em subalternização e violências, contrário ao poder masculino hard. Afinal tais antagonismos não contribuem para a ressignificação e transformações necessárias ao exercício do poder.

É necessária e significativa a mudança de percepção de homens e mulheres como sujeitos coletivos responsáveis na consolidação de um poder exercido com base na democracia, na ética, no pluralismo étnico, de gênero, de orientação sexual e religioso, cuja sociedade caminhe inexoravelmente para a transformação, onde fraternidade, solidariedade e respeito aos direitos humanos sejam práticas políticas universais. Isto é possível, eu acredito.

Debate de idéiasInformativo da Associação dos Docentes da UFMT – Adufmat - nº 77/2010

sábado, 17 de abril de 2010

Marlise Matos (UFMG) analisa a participação das mulheres nos espaços da política representativa

Entrevista exclusiva do site “Mais Mulheres no Poder” com Marlise Matos, professora e chefe do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

O site www.maismulheresnopoderbrasil.com.br realizou uma entrevista exclusiva com Marlise Matos, professora e chefe do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (Nepem – UFMG). Ela analisa a participação das mulheres nos espaços da política representativa e antecipa algumas informações sobre livro que escreve sobre o assunto.

MMPB - Como vê a participação das mulheres nos espaços de poder e decisão no Brasil?
Marlise
– Depende da forma como se vê esta participação, porque temos que entendê-la de forma mais ampla. O parlamento vai espelhar a situação de desigualdade que as mulheres vivenciam na sociedade. Mas, se analisarmos os movimentos sociais em diversos setores, como saúde, educação, movimentos comunitários e urbanos, como pró-moradia e transporte coletivo, a participação política das mulheres nesses âmbitos é maior. Elas vão às plenárias e participam de maneira ativa de deliberações sobre orçamento participativo. Em assuntos que reiteram a questão dos cuidados, essa presença é ainda mais visível, mas as mulheres também estão em outros espaços como os sindicatos. O problema é que elas não se fazem representar, elegem homens para isso. E nós não enxergamos e não valorizamos esse trabalho feminino. Também existe uma produção orquestrada da invisibilidade dessa participação por parte das instituições, inclusive as acadêmicas. As Ciências Sociais no Brasil são elitizadas e não refletem a realidade social da sociedade brasileira. Podemos contar nas mãos o número de pessoas que trabalham com gênero nas Ciências Políticas.

MMPB - Por que as mulheres estão sub-representadas nas instâncias de poder institucionais?
Marlise
– Não existe uma resposta única para esta pergunta, é uma confluência de fatores. Tem os motivos individuais, porque as mulheres têm que arcar com o custo da participação política, que é infinitamente mais alto para elas. Todo o entorno é adverso: as mulheres não são educadas para agir no espaço público, geralmente trabalham, outras estudam, muitas têm família, atividades que precisam se dedicar, o que não se exige tanto dos homens. E não há valorização social da participação e atuação política das mulheres.

Também podemos citar como adversas, as dimensões do plano sociológico: no espaço de interação política, o machismo é mais arraigado. É comum o assédio moral, homens que muitas vezes as vê como se fossem disponíveis. Para essas mulheres que querem participar da política, não basta ser inteligente, tem que superar as expectativas que a sociedade espera delas, de inteligência, capacidade e competência. No Brasil, temos um perfil claro de elegibilidade: homens, de classe média, profissionais liberais, acima de 40 anos e brancos. As mulheres eleitas têm esse mesmo perfil. Mas pelas dificuldades enfrentadas e pouca visibilidade, acabam não tendo ambição progressiva, não querem se reeleger.

Outro desafio está no plano político eleitoral. O próprio recrutamento eleitoral é falho, poucos estatutos partidários mencionam critérios para uma maior participação de ativistas de movimentos sociais. As mulheres candidatas não estão no topo da lista dos partidos, o
que chamo de “lista oficiosa”, nomes de candidatos que os partidos consideram mais elegíveis, que podem ter mais chances de vitória e recebem mais apoio e visibilidade. O sistema proporcional de listas abertas é outra dificuldade para as candidatas, assim como a Lei de Cotas (que reserva 30% das vagas dos partidos a candidaturas femininas), uma legislação que foi feita para não funcionar, já que não impõe sanção aos partidos que não a cumpre.

MMPB - O financiamento público de campanha pode ser uma maneira de aumentar a participação das mulheres na política?
Marlise
– Não tenho garantia disso. Com o atual sistema partidário, se não estiver claro o que cada candidato tem direito, se o partido tiver autonomia para decidir sobre as verbas, os partidos vão se orquestrar e fazer operar o dinheiro para a “lista oficiosa” que mencionei acima. Também reitero a existência de outros recursos não financeiros que contam muito: a aparição, por exemplo, com o presidente e o governador. Outros recursos deveriam ser democratizados, como visibilidade de imagem e presença em palanque.

MMPB - Como tem visto a atuação do Movimento Feminista no processo da Reforma Política?
Marlise
– Já tivemos momento melhor, como em 2006, até por pressão de organizações como o CFemea – Centro Feminista de Estudos e Assessoria. Estou cética com relação à Reforma Política, acho que ninguém viu e ninguém vai ver, até pelo conservadorismo partidário que temos no Brasil.

MMPB - A presença das mulheres na política melhora a política?
Marlise
– Se tiverem uma perspectiva feminista, sim, melhoram a política e podem fazer a diferença. E isso não é exclusividade das mulheres, conheço homens que têm essa visão feminista e emancipatória em relação às mulheres. Mas acredito que só poderemos fazer essa análise quando tivermos mais do que 9% de representação no parlamento como temos hoje. A bancada feminina no Congresso Nacional, por exemplo, é pequena e tem pouca visibilidade do ponto de vista político, o que é frustrante para elas, pois não conseguem fazer a diferença.

MMPB - Você está escrevendo um livro sobre mulheres candidatas a Assembleia Legislativa de Minas Gerais em 2006. Quais os principais resultados obtidos?
Marlise
– Analisamos as 92 candidaturas femininas nas últimas eleições para a Assembleia Legislativa em 2006. De início, já tivemos a dificuldade de contato com as candidatas porque os partidos, muitas vezes, não tinham um telefone de contato ou uma ficha de filiação delas para nos disponibilizar. No ano passado, também realizamos na UFMG um curso de capacitação de candidatas em várias cidades mineiras e tivemos esse mesmo problema de localização. Em virtude disso, das 270 vagas disponíveis, só conseguimos capacitar 150 mulheres. O partido é uma caixa preta para as mulheres. E, o mais interessante, é que os líderes partidários nem se dão conta desse universo. Não é uma atitude proposital e consciente de as excluir da participação política. É uma questão que está internalizada, é o “inconsciente político”, acreditam que as mulheres não se interessam por política e não têm capacidade suficiente para isso.

A pesquisa para o livro “A Política na Ausência das Mulheres” revela um universo muito difícil, um cenário sombrio da atuação política institucional feminina. Os relatos são dramáticos e mostram que muitas mulheres participaram de uma experiência traumática, muitas vezes afastando-se temporariamente de responsabilidades da vida cotidiana para
entrar num espaço excludente, onde não tiveram voz, apoio e visibilidade, seja do partido, da sociedade e da própria família. Acredito que o livro será bom para as mulheres candidatas saberem com antecedência das dificuldades que vão encontrar pela frente e já estarem preparadas para se colocarem diante dessas situações. Acredito que gênero não deve ser um critério para votar, mas ao não se pensar gênero nessa problemática, não há uma democracia representativa.

Rosiska Darcy de OIliveira - É preciso reconhecer o valor social da vida privada...

Entrevista com Rosiska Darcy de Oliveira, presidenta do Centro de Liderança da Mulher, feminista e escritora

Para Rosiska, é preciso reconhecer o valor social e econômico da vida privada para se reestruturar o mercado de trabalho e diminuir a carga de trabalho das mulheres

Advogada, professora universitária, jornalista e escritora, Rosiska Darcy de Oliveira nasceu no Rio de Janeiro. Trabalhou como jornalista na Revista “Visão”, TV “Globo” e “Jornal do Brasil”. Acusada de denunciar torturas contra presos políticos, foi exilada pela Ditadura e morou 15 anos na Suíça, onde fez doutorado e lecionou na Universidade de Genebra. Participou ativamente do movimento internacional de mulheres. De volta ao Brasil, presidiu a coalizão de mulheres brasileiras na Eco 92 e, em 1995, assumiu a presidência do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Foi representante do Brasil na Comissão Interamericana de Mulheres da OEA, co-chefiou a delegação brasileira na Conferência Mundial sobre a Mulher em Beijing e fundou, no Rio de Janeiro, o Centro de Liderança da Mulher. Foi membro do conselho consultivo do Banco Interamericano de Desenvolvimento para as questões referentes a ”mulher e desenvolvimento”. Integra o “Painel Mundial sobre a Democracia” e o “Painel Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável“ da UNESCO. Atualmente é a Presidente Executiva do movimento “Rio Como Vamos” e vice-presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro. Escritora, seus dois primeiros livros, Le Féminin Ambigu e La Culture des Femmes, foram publicados na Europa.
“Elogio da Diferença”, publicado no Brasil e nos Estados Unidos, e “Reengenharia do Tempo” dão continuidade a sua obra sobre o feminino. “A Dama e o Unicórnio”, “Outono de Ouro e Sangue” e “A Natureza do Escorpião”, exprimem sua vocação de cronista. Jornalista, colabora nos jornais “O Globo” e “O Estado de São Paulo”.

MMPB - Você viveu no exílio e fez parte de um grupo de intelectuais que denunciou torturas durante a Ditadura brasileira. Pode falar um pouco sobre o que vivenciou nesse período?
Rosiska -
É o melhor lugar para você formar sua identidade. O exílio é de onde você olha para tudo aquilo que parecia normal com olhar estrangeiro. Então, quando eu saí do país, o Brasil era a única coisa que existia no mundo para mim. E quando cheguei em outro país, comecei a olhar o Brasil de um outro ponto de vista, e isso é muito formador.

A outra experiência importantíssima foi ter encontrado o movimento de mulheres. A escritora Virginia Woolf diz que era cidadã do país das mulheres, e eu, que não tinha passaporte, que era refugiada política, encontrei uma espécie de cidadania nesse país das mulheres. Naquele momento começava um movimento de mulheres muito efervescente na Europa e nos Estados Unidos, no começo dos anos 70, e foi aí que eu encontrei uma cidadania, um pertencimento, porque o drama do exílio é você não ter pertencimento. O seu presente fica muito comprometido porque você está ali por causa do seu passado, e o seu futuro depende do que vai acontecer no seu país. Você não sabe se você volta ou não. Então o presente corre um sério risco de ficar comprometido ou pelo saudosismo ou pela desistência, pela depressão, o que aconteceu com muitos refugiados. Fui salva, provavelmente, por esse sentimento de pertencimento que eu tive pela causa das mulheres, que era a minha própria causa, e pelos laços afetivos que se criaram nessa luta e que foram também uma outra saída.

MMPB - Quais as semelhanças e diferenças entre as demandas da luta feminista nesta época no Brasil e no exterior? O que a levou a lutar pela causa das mulheres?
Rosiska -
O movimento, fora, naquela época, tinha amadurecido mais a ideia de que a causa das mulheres era uma causa em si, e que essa causa em si era uma causa política, uma causa importante que mexia com a transformação da sociedade com profundidade. Naquele momento, no Brasil, até pelo peso da Ditadura, havia ainda uma tendência a considerar que a causa das mulheres seria uma questão secundária. A sociedade devia mudar, era preciso derrubar a Ditadura, acabar com as injustiças de classe, enfim, assuntos que eu estava também de acordo, evidentemente, porque defendia uma mudança da sociedade brasileira. Não deixei de reconhecer que ali havia uma questão política central, não para um mundo europeu, mas também para o Brasil. E aí a minha experiência pessoal pesou muito, porque antes de sair do Brasil eu já tinha uma consciência muito forte da opressão das mulheres e uma posição feminista pessoal contra isso. Mas eu não tinha encontrado ainda um movimento e outras pessoas que, como eu, tratassem esta temática como uma questão política. Então o encontro disso foi importante, porque mesmo depois, quando eu voltei para o Brasil, ainda estava se discutindo se a questão das mulheres era prioritária ou não, enfim, uma série de bobagens e que hoje eu acho que ninguém mais está discutindo, pelo menos espero.

MMPB - As mulheres alcançaram uma série de direitos e liberdades nas últimas décadas. Elas estão realizadas com estas conquistas?
Rosiska -
Acho que as mulheres estão enfrentando um imenso problema e eu tratei disso no meu livro “Reengenharia do Tempo”. Elas entraram no mundo dos homens. A minha geração participou de uma verdadeira revolução, a revolução mais importante do século XX, que mudou a sociedade mundial e a sociedade brasileira. Houve uma imensa migração das mulheres da vida privada para o mundo do trabalho com consequentes possibilidades de afirmação, de auto manutenção, de experiência intelectual, espiritual, mas, na essência, elas estão pagando muito caro, porque nós fizemos essa migração para o mundo público sem negociar a vida privada. Nós não negociamos a vida privada e não negociamos porque partimos do lugar da transgressão. Nós estávamos transgredindo uma lei não escrita. É como se pedíssemos quase desculpas de estar chegando no mundo do trabalho, querendo igualdade nesses espaços.

Então fazemos de conta que nós não tínhamos vida privada, porque sempre foram as mulheres que cuidaram da vida privada, que cuidaram de crianças, de idosos, de pessoas
doentes, da casa. Mas quando chegava no mundo do trabalho era como se você dissesse: “deixa eu entrar, me trate aqui como uma igual, porque você não vai nem perceber que eu não tenho esses problemas”. E em casa dizia aos maridos e companheiros: “me deixa sair que você nem vai perceber que nada mudou aqui”.

Portanto, ninguém colocou no centro da negociação o imenso tempo, o imenso esforço e o imenso valor social que tem a vida privada. E se não se coloca isso, nunca vai se conseguir construir um mundo do trabalho particular, de reconhecer a sua importância para homens e mulheres. Porque não se trata de reconhecer só para as mulheres, tem que reconhecer também para os homens, dar a eles o direito à vida privada, o que muda completamente, se isso acontecer, o perfil do mundo do trabalho. Eu costumo dizer que no dia que se reconhecer a validade, a legitimidade da vida privada, isso tem um impacto como o do fim da escravidão.

MMPB - Mulheres já são 30% das chefes de família no Brasil. Isto é um avanço ou um retrocesso?
Rosiska -
Acho que isso é um imenso problema para as mulheres e que não se deve festejar de maneira alguma. Entendo porque se festeja, pois significa dizer que a mulher se sustenta, mas não é normal que a mulher se sustente e com sua saída para o mercado de trabalho ter que sustentar a sua família. Isso não é prova de avanço nenhum. Eu acho que hoje a figura do provedor, do homem provedor, saiu do ar. Eu costumo dizer brincando, mas não é uma brincadeira, se você dizer a palavra “provedor” perto de um menino de 15 anos ele vai pensar no provedor de Internet, no mundo virtual. Ele nunca vai pensar num homem que sustenta sua família, porque existem muitos poucos homens hoje que sustentam sozinhos a sua família. Que as mulheres estejam em igualdade de condições com os homens participando do sustento de suas famílias, acho normal e uma razão de comemorar. Que elas estejam sozinhas carregando esta carga de manutenção da família, acho uma aberração.

MMPB - Em recente relatório, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) afirma que as tensões entre trabalho e família geraram um alto custo para mais de 100 milhões de mulheres inseridas no mercado de trabalho na América Latina e no Caribe. Você discute essa questão em seu livro “Reengenharia do Tempo”. O que pensa sobre essa realidade feminina?
Rosiska -
Eu penso que as mulheres progrediram imensamente, em matéria de liberdades, liberdade estudantil, liberdade com seu corpo, acho que hoje nosso corpo nos pertence muito mais que jamais nos pertencia antes. Penso que a questão do uso do tempo é central. Nós precisamos deslocar esta questão do âmbito privado, porque não houve uma discussão entre um homem e uma mulher dentro de casa. Isto é uma questão pública, é preciso reconhecer o valor social e econômico da vida privada e, a partir daí, se reestrutura o mercado de trabalho de maneira que isso seja levado em consideração e se desafogue as mulheres. Tirar das mulheres o peso imenso que representa para elas, hoje, carregar a família sozinha e se multiplicar por mil, acrescentando a ela a vida privada. Ou se mexe nisso ou as mulheres vão começar a se cansar das conquistas que fizeram. Elas estão extremamente cansadas e não voltarão para trás, mas precisam ir para frente. A luta feminista, hoje, por excelência, para mim, se situa em levar a sociedade a reconhecer o peso da vida privada, o peso e o valor da vida privada, de todos os pontos de vista, de repensar a sociedade, o papel das mulheres na sociedade à luz dessa avaliação do peso da vida privada. Aí, sim, talvez nós possamos falar em igualdade e liberdade.

MMPB - Você também foi presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Como avalia a organização e demandas das mulheres no país hoje?
Rosiska -
Eu aprecio muito a gestão da ministra Nilcéa Freire. A Lei Maria da Penha foi um avanço formidável, uma grande conquista, e eu espero que continuemos tendo conquistas desse porte, porque a violência é outro problema gravíssimo, outra luta feminista histórica. Já na minha gestão nós lutávamos contra isso, e eu creio que aí se constitui, realmente, uma grande vitória.

MMPB - O que é o Centro de Liderança da Mulher (Celim)?
Rosiska -
O Centro de Liderança da Mulher tem uma vocação nacional, formou lideranças em todos os estados do Brasil. Formamos gerações aqui na cidade do Rio de Janeiro e em todas as regiões do Estado. Trabalhamos nos últimos dois anos em favelas cariocas, com mulheres de favela, formando-as como lideranças e fazemos paralelamente um trabalho cultural, um trabalho de debate no plano da cultura. “Reengenharia do Tempo” foi um livro que nasceu do Celim, da minha experiência do Celim. Com o campo que eu fiz de pesquisa dentro do Celim, através das lideranças com quem eu lidava, pude formular essa teoria da reengenharia do tempo, e é essa teoria que eu tenho procurado debater com o conjunto da sociedade brasileira.